domingo, 31 de dezembro de 2006

BALANÇO DO ANO DE 2006

Regra não escrita mas por toda a gente assumida, este período de final de ano costuma ser muito utilizado para a realização de balanços do que nele ocorreu. Quase sempre acompanhados de louvores ou críticas (tudo depende de quem os realiza) este tipo de trabalhos peca sempre por redutor e criticável.

Porque como diz o velho ditado popular, «cada cabeça, cada sentença», ninguém se deve sentir obrigado a aceitar como bons os balanços que outros fazem e para facilitar esse mesmo trabalho de leitura crítica, proponho-me organizar o meu da mesma forma como costumo classificar os “posts” que aqui tenho deixado.

LOCAL

A este nível, parece-me merecer destaque a razoável regularidade da programação do Cine-Teatro local. Mesmo considerando que muitos géneros de artes de palco ainda não marcaram presença nele, nem por isso deixa de ser de destacar a regularidade e até a qualidade de alguns dos espectáculos que por lá passaram. Pena mesmo é que a produção local continue a sentir-se muito pouco e que o público raramente tenha correspondido com uma presença significativa.

Entre as notas positivas, uma referência também para os debates de Opinião Pública promovidos pelo “O ALMEIRINENSE”, aos quais se associou a “RCA-Ribatejo” (estação local de rádio).

Estas iniciativas, como os espectáculos exibidos no Cine-Teatro, sofreram talvez da crónica falta de divulgação. Quando disporá a nossa cidade de um sistema de painéis informativos estrategicamente distribuídos para que o desconhecimento possa continuar a servir como desculpa para a falta de público e de participantes?

Já que referi algo que correu mal durante o ano, não posso deixar de referir o grande caso local de 2006: a renuncia ao exercício do cargo de vice-presidente da Câmara pelo Dr. Francisco Maurício. Tal como na oportunidade o fiz, quero deixar aqui bem claro que pior que esta decisão foi a de o Presidente da Câmara não ter até esta data esclarecido de forma cabal as razões que determinaram aquele acto, tanto mais que a ausência de explicação afecta principalmente a credibilidade de quem o substituiu e de quem continua à frente dos destinos da Autarquia.

NACIONAL

Se o ano acabou mal a nível local, já a nível nacional não se pode dizer que tenha começado melhor. Pior que o resultado das presidenciais foi o espectáculo que nos ofereceu o PS, Mário Soares e Manuel Alegre. Independentemente das razões que possam ter estado na origem da estratégia montada pelo PS para as presidenciais (quase um ano volvido continuo convicto que Sócrates queria o resultado que se verificou), foi obviamente triste assistir-se ao desempenho de Mário Soares.

Tristeza por tristeza, será a oportunidade de referir também a substituição de Freitas do Amaral à frente da equipa das Necessidades (vulgo Ministério dos Negócios Estrangeiros). Airosa a desculpa apresentada, tornou-se rapidamente óbvia que a mudança (de um incómodo ministro que insistia em pensar pela sua própria cabeça e que nunca escondeu a oposição pessoal à política externa norte-americana, passámos para um bem comportado apreciador de “cowboyadas”) ocorrera por razões que a razão desconhece… Sendo óbvio o beneficiado, ficámos todos a perder (ou pelo menos a nossa dignidade).

No resto, o ano nacional quase se pode considerar banal de tão habituados que estamos às notícias dos novos milhares de hectares de floresta ardida em cada ano, aos aumentos de bens e serviços e à persistente degradação do poder de compra dos trabalhadores nacionais. Tudo isto foi sendo confirmado pelos organismos oficiais de estatística (nacionais e comunitários), cada vez mais sentido no bolso dos portugueses, mas também progressivamente exteriorizado nos comentários do dia-a-dia e nas sondagens que os órgãos de comunicação social divulgam regularmente. Procurando contrariar esta tendência (ou estado de ânimo) o governo de José Sócrates foi-se desmultiplicando em medidas de combate ao desemprego e ao insucesso escolar, de promoção de novos investimentos (a propósito, salvo uma ou outra rápida referência pouco se falou nos polémicos projectos da OTA e do TGV), de racionalização e contenção de custos (quem já esqueceu o encerramento de escolas e maternidades ou pouco por todo o país), de combate à burocracia e de saneamento da segurança social.

Em resumo, a acreditarmos nos nossos governantes todos estes sacrifícios nos hão-de assegurar uma vida melhor… mais tarde. Pois é, o grave é que talvez sejamos poucos a viver até esse momento… Se não, vejamos: opções como a do aumento da idade da reforma como método para assegurar o saneamento financeiro da segurança social, além de injustas e desmotivadoras para aqueles a quem já se perfilava o fim da vida activa são igualmente penalizadoras para os jovens que aguardam uma oportunidade para a entrada no mercado de trabalho e não solucionam a verdadeira origem do deficit – enquanto as pensões de reforma continuarem a ser suportadas pelos descontos dos trabalhadores no activo e não a serem custeadas pela adequada capitalização dos descontos que cada um realizou ao longo da sua vida activa, todos teremos que estar preparados para trabalharmos até morrermos.

Mas nem tudo foi negativo. Algumas medidas, caso das introduzidas no sistema de ensino e no sistema de financiamento regional, poderão realmente frutificar se da parte dos intervenientes se registar uma melhor disposição para a sua aplicação. O problema está na enorme descrença que se tem vindo a instalar – descrença nos governantes, nos técnicos, nas pessoas… – e que não creio que possa ser ultrapassada por acontecimentos pontuais (caso do Mundial de Futebol ou da recente nomeação de Maria José Morgado para a investigação do caso “Apito Dourado”), enquanto a maioria daqueles que têm vindo a capitalizar vantagens e benesses nestas “terras do faz de conta” continuarem a ocupar lugares de privilégio e a partir dos quais entravarão todo e qualquer processo que os possa prejudicar.

INTERNACIONAL

Se a nível doméstico as coisas não correram bem, no plano internacional não pararam de piorar. Assistiu-se durante mais ano ao aumento da instabilidade no Médio Oriente e até já a situação no Afeganistão começa a ser referida nos mesmos moldes.

Os atentados, as chacinas e outras formas de violência fazem cada vez mais parte integrante do nosso dia a dia e como se não bastassem os conflitos no Iraque, no Afeganistão e na Somália, herdados de 2005, ainda assistimos a mais uma invasão israelita do Líbano.

Porém, as coisas pareciam estar a compor-se quando no início do ano se realizaram eleições gerais na Palestina. Para surpresa de muitos o vencedor foi o grupo islâmico do Hamas e de pronto israelitas e americanos, secundados pelos europeus, decidiram suspender o apoio financeiro à Autoridade Palestiniana a pretexto de não financiarem o terrorismo. De uma situação de difícil sobrevivência a população palestiniana passou para outra ainda pior. De hipocrisia em hipocrisia, de retaliação em retaliação, assistiu-se à invasão da Faixa de Gaza e pouco depois à do Líbano.

Sem ter alcançado a queda do governo do Hamas nem o desarmamento do Hezbollah libanês, o exército israelita retirou do sul daquele país, não sem antes ter destruído as respectivas infraestruturas e se ver substituído no terreno por tropas da ONU. Com a instabilidade criada é agora o governo libanês de Fouad Siniora que os próprios libaneses colocam em questão.

De calamidade em calamidade e perante um cenário de generalização de conflitos, o ano que agora acaba deverá ficar marcado pela entrada da Coreia do Norte para o clube dos países com armamento nuclear. O mesmo poderá estar em vias de acontecer com o Irão e, para cúmulo, até já Israel parece ter abandonado a política de negar a existência do seu arsenal nuclear.

Se apesar de tudo isto George W Bush insistir em dizer que o mundo está mais seguro depois do derrube do ditador Saddam Hussein, não se riam, ele está a falar a sério. Tão a sério que um dos últimos acontecimentos do ano foi o precisamente o precipitado enforcamento de Saddam.

Perante tudo isto de pouco valerá a derrota dos Republicanos nas eleições em que o Partido Democrata conquistou a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes. A única nota positiva de tudo isto poderá ser o facto de para este resultado ter pesado a opinião americana que circulando pela Internet vem questionando de forma cada vez mais aberta e consistente a política de Bush e factos até agora dados como inquestionáveis como os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001.

Se é verdade que se sente de forma crescente o peso e a importância da Internet como veículo de debate e divulgação de opiniões, nem por isso os poderes instituídos (nacionais e internacionais) parecem ter entendido esta nova realidade que a própria revista “TIME” reconheceu ao eleger como personalidade do ano os utilizadores da Internet.

Outra nota, final, da diferença. A escolha para o Nobel da Paz de Mohammad Yunus e o Grammen Bank, instituição bancária que ele fundou e que é responsável pela criação do conceito do microcrédito, premiando a luta contra a pobreza.

Se ao menos em 2007 pudéssemos ver ampliado o poder das ideias contra as ideias do poder, talvez o balanço que então faça seja menos negativo.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

PORQUE É QUE ISTO ACONTECEU?



Imagens deste tipo (ou ainda mais horríveis) começaram ontem a correr mundo, após mais uma explosão num “pipeline” nigeriano.

O número de mortos varia conforme as fontes, mas serão seguramente às centenas (mencionam-se 300 a 700 mortos, sem contabilizar os feridos e os que virão mais tarde a morrer por absoluta falta de tratamento adequado), mas o mais grave é que isto não resultou de uma catástrofe pontual (o número de acidentes desta natureza é elevado e constante na região) e muito menos de uma calamidade inevitável.

Tudo terá começado por mais um furto de combustível perpetrado no país africano que é o principal produtor de petróleo do continente. Para quem não entenda este paradoxo – um país que exporta petróleo e cuja população sobrevive do regular roubo de combustível – convém explicar porque é isto aconteceu.

A Nigéria, ex-colónia britânica, conheceu desde a sua independência, em 1960, sucessivos governos de origem militar, frutos de constantes golpes e contragolpes que conduziram uma próspera economia agrícola (em tempos foi um importante produtor regional) a um estado de depauperamento tal que se vê hoje reduzido à extracção e exportação de petróleo. Com uma economia débil e quase exclusivamente dependente de um sector onde são indispensáveis os investimentos de capital intensivo (algo que para os nigerianos é completamente irrealizável), até cair na alçada das grandes transnacionais do sector foi um pequeno passo. Esta dependência é particularmente visível quando um país exportador de ramas petrolíferas atravessa regulares crises de abastecimento de combustíveis, facto que originou a criação de um mercado paralelo particularmente activo e onde as margens de lucro (os combustíveis neste mercado chegam a atingir o quadruplo do registado no mercado oficial) são altamente atractivas.

As formas ineficientes de governo e os elevados níveis de corrupção que o país regista determinaram que parte significativa da população viva abaixo do limiar de pobreza e condenada a sobreviver mediante o recurso a expedientes, como o do roubo de combustível. Sempre que os grupos organizados procedem a mais uma operação de “recolha” (que normalmente consiste em perfurar um “pipeline” e transferir o respectivo combustível para camiões cisterna), a população local acorre e recolhe as sobras que conseguir alcançar. Terá sido nesta fase que se terá dado a explosão ontem registada.

Os milhares mortos que “acidentes” desta natureza já provocaram (estimam-se em mais de 2.000) tinham a obrigação de já ter motivado os “senhores da terra” para minimizarem semelhante tipo de riscos; porém, a extrema pobreza das populações e a extrema riqueza dos seus governantes são dois pólos de uma mesma corrente que não só se repelem, como o segundo destes revela o maior dos desprezos e desinteresses pelo primeiro.

Comentando a tragédia o presidente nigeriano, Olusegun Obasanjo, atribuiu a responsabilidade aos vândalos que danificaram o oleoduto e mostrou-se triste por actos como este continuarem a acontecer, apesar dos seus avisos sobre a respectiva ilegalidade e os perigos resultantes...

domingo, 24 de dezembro de 2006

CONTO DE NATAL

Entre os povos de matriz cultural cristã esta é por excelência a época do ano em que se multiplicam a produção e a divulgação de pequenas histórias carregadas de valores culturais e religiosos, que apresentam em conclusão um fundo moralizador.

Como habitual nos contos, também o meu se inicia com:

«Era uma vez…

num país não muito distante (mas com um PIB e um nível salarial muito superiores aos nossos), uma pobre trabalhadora que como milhões de outras trabalhava por turnos. A regular mudança de horários não constituiu grande problema enquanto foi jovem e ainda não estava sujeita a grandes compromissos; época em que se mostrava mesmo disponível para prolongar o seu período de trabalho além do normal.

Porém, como sucede com muitas jovens chegou uma altura em que teve um filho e como o país onde vivia era muito desenvolvido e rico teve direito a licença de parto, após o que retomou o seu trabalho. Diga-se que a nossa heroína trabalhava para uma empresa muito grande que geria várias cafetarias em muitas cidades e vilas desse país e do estrangeiro e que quando voltou ao trabalho teve de procurar quem lhe tomasse conta do seu bebé durante essas horas. Tudo teria continuado a correr bem (apesar do trabalho por turnos e do baixo salário recebido) se as constantes mudanças dos horários de trabalho lhe não tivessem tornado impossível assegurar quem lhe cuidasse do filho.

Se antes do nascimento isso não foi problema de maior, agora as constantes e inopinadas mudanças de turnos e extensões do seu horário de trabalho tornavam-lhe a vida (e a do filho) num inferno.

Após dois anos, um esgotamento nervoso e uma proposta da empresa para ir trabalhar para outro local distante mais de cem quilómetros, que naturalmente recusou, determinaram o seu despedimento em pouco tempo.

Com pouco mais que a razão que lhe assistia e a coragem própria das heroínas das histórias, eis que a jovem mãe se dispõe a mover uma acção em tribunal contra a grande empresa que a despedira depois de lhe ter tornado insustentável a sua vida profissional.

Porque isto é um conto e passa-se num país que não o nosso, dois anos depois o tribunal de apelo decidiu condenar a grande empresa que gere cafetarias a indemnizar a ex-empregada e reconhecendo em simultâneo que foram as constantes mudanças de tarefas e horários de trabalho, utilizados regularmente como forma de gestão de pessoal e forma de pressão, as responsáveis pela doença, incapacidade e licenciamento da trabalhadora.

Desconhece-se se ela viveu feliz para sempre, mas para a história fica o reconhecimento e a condenação dos métodos de gestão utilizados.»

Embora tudo isto seja um conto (no nosso país será um verdadeiro conto de fadas) e portanto nada disto aconteceu e a semelhança com pessoas, lugares ou factos é mera coincidência, para aqueles que não acreditam em histórias (nem nas de Natal) aqui fica o endereço onde conhecer a origem do conto.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

PIB NACIONAL 30% ABAIXO DA MÉDIA EUROPEIA

O EUROSTAT divulgou esta semana os últimos dados sobre o PIB dos países membros, que se podem ver no quadro seguinte onde estão acompanhados dos valores para outros países europeus (candidatos ou não à adesão) e ainda os EUA e o Japão.

Os dados apresentados estão calculados em termos de paridades de poder de compra[1], facto que melhora a qualidade dos indicadores na comparação entre economias.

Como o próprio organismo estatístico europeu destaca, o Luxemburgo conserva a invejável posição de apresentar um PIBppc que mais que duplica a média da União Europeia, ainda que este valor deva ser observado com alguma cautela por via da existência de um grande volume de trabalhadores transfronteiriços que inflacionam o valor final. Ainda assim, a Irlanda destaca-se com um valor superior em cerca de 40% à média, enquanto a Holanda, Áustria, Dinamarca, Bélgica, Reino Unido e Suécia se situam 15 a 25% acima dos 100 pontos.

No gráfico seguinte encontram-se os países que mais se aproximam dos valores registados por Portugal.
Deste destacam-se Espanha e Itália, com valores próximos da média, Chipre, Grécia, e Eslovénia, com valores inferiores entre os 10 e os 20%. Portugal, juntamente com Malta e a República Checa situa-se cerca de 30% abaixo, com a agravante de o PIBppc checo se apresentar com tendência de crescimento enquanto o nosso se comporta em sentido contrário. Pior que nós só o grupo composto pela Eslovénia, a Estónia e a Hungria (40% abaixo da média) e pela Letónia, a Lituânia e a Polónia (50% abaixo da média), sendo que todos estes apresentam tendência de crescimento.

Mesmo para quem ache que estes números não traduzam a realidade nacional é um facto que em boa medida chocam, principalmente se recordarmos que não há muito tempo apresentávamos um PIB idêntico ao espanhol e superior ao grego. Os nossos políticos e principalmente o governo de José Sócrates bem podem apelar a uma “estrelinha da sorte” que os ajude a inverter esta tendência, tanto mais que as medidas de fundo para o relançamento da economia tardam em aparecer enquanto as prometidas medidas saneadoras dos entraves ao crescimento (redução da burocracia, eficaz combate à corrupção e à fuga ao fisco, aumento da eficácia da Justiça, etc., etc…) continuam “encalhadas” e o governo (e a generalidade dos teóricos do liberalismo) persistem na política de contenção do investimento público.

Por este andar (e porque não acredito em milagres) no próximo ano estaremos ainda mais próximos de integrarmos um dos grupos com maiores desvios.
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[1] Paridade de Poder de Compra (PPC) é uma unidade monetária artificial que traduz as diferenças entre os preços nacionais, factor que não é tido em conta na aplicação das taxas de câmbio.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

MANTER A ESPERANÇA

É o que sugere a notícia da conquista do Concurso Internacional de Música "Marco Fiorindo", na categoria de clarinete, por um jovem músico português; na classe dos mais jovens (músicos com menos de 18 anos) foi ele o escolhido entre os candidatos de vários países que se apresentaram a concurso.

Além do estímulo que deve representar para o jovem José Miguel Conde, aluno da Academia Nacional Superior de Orquestra, a escola da Orquestra Metropolitana de Lisboa, este é um exemplo que deveria ser amplamente divulgado, não pelo prémio mas pelo facto de demonstrar que com esforço e dedicação podemos ser tão bons como todos os outros e por demonstrar a evidência que apenas o trabalho árduo deverá produzir frutos.

Porém, aquilo a que diariamente assistimos no nosso país é à glorificação do triunfo fácil, como se a qualidade (no mundo da música, do espectáculo, da ciência ou em qualquer actividade) fosse algo inato nas pessoas e baste um “passe de mágica” ou um momento de sorte para se alcançar o sucesso.

Parabéns ao jovem, aos seus professores e a quem ainda insiste na necessidade de formações sólidas (nas artes ou nas ciências), como via para o sucesso. São eles que vão mantendo a esperança de que valores como o esforço e a dedicação ainda são relevantes!

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

PARTITURAS PORTUGALSOM

Talvez a notícia do PUBLICO constitua um primeiro sinal de que algo estará a mudar na forma como habitualmente se encara no nosso país a cultura e em particular a formação musical.
É digna de menção a intenção do Instituto das Artes ao editar duas partituras – "Cena lírica", de Luís de Freitas Branco, e "Cartoons", de António Chagas Rosa – integradas numa na colecção "Partituras PortugalSom", que deverá ser continuada com obras de compositores como Cláudio Carneyro, Fernando Lopes-Graça, Frederico de Freitas, João Domingos Bomtempo e Jorge Peixinho.

Sendo inegável a importância de iniciativas deste género, mais que se justificar a lembrança de que a par destes muitos outros compositores existem cuja obra merece o mesmo tipo de oportunidades de divulgação.

Talvez que surjam respostas ao desafio deixado pelo Secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, quando da apresentação desta iniciativa apelou aos jovens empreendedores para que assumam o risco de iniciativas idênticas, mesmo e parceria com o Estado, e que não sejam esquecidas as necessidades das escolas de formação musical, das bandas filarmónicas e que obras de músicos jovens também assim possam ser divulgadas.

domingo, 17 de dezembro de 2006

SERÃO AS ELEIÇÕES SOLUÇÃO?

Como bem é descrito no “Relatório Baker” a situação na Palestina é uma das chaves para uma possível resolução da instabilidade no Médio Oriente; porém, ao longo de todo o ano de 2006 a situação nos territórios palestinianos não tem parado de se agravar, seja por razões de ordem externa (fruto da actuação israelita ou outra) seja consequência das divisões internas entre a Fatah e o Hamas.
Este último grupo, vencedor das eleições legislativas realizadas no início do ano e desde então partido no poder, tem revelado grandes dificuldades na conciliação das suas teses mais adaptadas à luta armada com o combate político ou à acção governativa. É certo que os países ocidentais muito têm contribuído para estas dificuldades com a anacrónica decisão de boicotar um governo legitimamente eleito, mas os próprios palestinianos pouco têm feito em sentido contrário.

Logo após a derrota eleitoral foi a Fatah que recusou a constituição de um governo de unidade nacional, para em seguida o Hamas recusar qualquer forma de conciliação entre as suas responsabilidades governativas e as suas teses programáticas. O dogma da recusa do reconhecimento de Israel, aceitável para um grupo armado e empenhado na acção militar, tornou-se um empecilho à governação, mesmo que esta seja desempenhada por uma figura tida como moderada e pragmática. Numa palavra ao primeiro-ministro Ismail Haniyeh estará a faltar peso para sobrepor a realidade política da governação às concepções teóricas de líderes como Khaled Meshal, representante do Hamas no exílio.

Tudo isto será menos estranho se recordarmos a origem dos dois movimentos; a Fatah remonta a um período no qual as lutas de libertação eram uma realidade um pouco por todo o mundo, existiam fortes referenciais históricos desses mesmos movimentos e a luta, armada ou política, era desenvolvida segundo ideais precisos e pragmáticos, enquanto o Hamas é um movimento muito mais recente, tem por origem o grupo egípcio dos Irmãos Muçulmanos, e surge numa fase de profundo desencanto dos árabes face aos valores e à cultura ocidental.

Convictos das suas crenças (fundamentalmente de natureza religiosa) os dirigentes do Hamas acabam por se ver confrontados com a oposição dos países ocidentais (muito bem explorada e fomentada pelo governo israelita) e a própria actuação do movimento xiita libanês, o Hezbollah, que esteve na origem dos confrontos com Israel no Verão passado, em pouco ajudou a clarificar e/ou amenizar as opções do Hamas.

Cortado o acesso aos fundos económicos (os países ocidentais são os principais “financiadores” de um estado palestiniano que a acção política e económica judaica mantém num estádio vegetativo) não tardaram em registar-se os primeiros sinais de contestação e descontentamento das populações. Reais (e importa não esquecer face a uma economia mais que precária a principal fonte de rendimento são os salários dos que trabalham para a Autoridade Palestiniana) ou fomentados pela propaganda externa, o facto é que a tensão não tem parado de aumentar e nem as sucessivas acções militares israelitas na Faixa de Gaza e na Margem Ocidental têm logrado unificar os palestinianos.

De incidente em incidente e perante a tibieza e a incapacidade dos estado árabes se revelarem eficazes fontes alternativas de financiamento (seja em resultado das suas próprias contradições internas, seja fruto do seu alinhamento com as teses e práticas ocidentais, seja porque a acção fiscalizadora israelita tem funcionado), os territórios palestinianos aproximam-se a passos largos de uma situação de inanição que nem as mais ferozes ofensivas militares do Tsahal[i] alguma vez conseguiram criar.

Toda esta envolvente permitiu que na última semana se assistisse a situações tão caricatas e aberrantes como a de um primeiro-ministro retido no aeroporto do seu próprio país pelo exército de outra nação por suspeita de tráfico de divisas.

No futuro será difícil contarmos aos nossos netos que coisas como estas acontecem no planeta em que vivemos e envolvendo os governos de dois países que na sua região são apontados como modelos de democracias…

Mesmo entendendo o muito que separa a Fatah, movimento laico criado para lutar pela autonomia palestiniana, e o Hamas, movimento de natureza islâmica (inicialmente tolerado quando não incentivado por Israel, como forma de combater a Fatah) que tem vindo acrescer de popularidade numa região onde é crescente o peso e a influência do pensamento religioso, torna-se difícil explicar de forma racional como se chegou ao ponto em que nos encontramos, com o Presidente da Autoridade Palestiniana a anunciar a próxima convocatória de novas eleições e o Hamas a recusar semelhante solução e a ameaçar apelar ao seu boicote.

Tudo isto acontece depois de em finais de Novembro ter sido anunciada a celebração de um acordo entre o Hamas e a Fatah que permitiria a formação de um novo governo, chegando mesmo a anunciar-se a substituição de Haniyeh por Mohammad Al-Chbeir, um professor da universidade de Gaza tido como próximo do Hamas. Dias depois tudo voltava à estaca zero e reacendia-se a disputa entre Haniyeh e Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestiniana.

A situação insustentável que vivem as populações palestinianas da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, continuam a ser a última das preocupações dos responsáveis. EUA e União Europeia persistem na aplicação de um boicote económico do qual os mais atingidos são as populações. O Hamas não parece disposto a abandonar o seu muito próximo alinhamento com a Síria e o Irão e os Israelitas continuam a agitar o argumento do terrorismo (em tempo oportuno o governo de Ariel Sharom conseguiu que os EUA atribuíssem ao Hamas a classificação de grupo terrorista) para justificar a sua política agressiva e o cerco financeiro que mantém aos territórios palestinianos. A Fatah, que após a derrota eleitoral parece ter cerrado fileiras em torno de Abbas, não parece disposta a contribuir para a governabilidade dos territórios palestinianos, pelo menos enquanto o governo for liderado pelo Hamas, e enquanto for beneficiada pela existência de um poder bicéfalo, originalmente criado por pressão dos israelitas e como forma de fraccionar as forças em torno de Yasser Arafat. Os estados árabes vizinhos, muito mais preocupados com os seus próprios problemas (expansão dos movimentos islâmicos, aumento da pressão ocidental – americana – para a liberalização dos seus regimes, queda das receitas do petróleo originadas pela contínua desvalorização do dólar face ao euro) que com a sobrevivência da Palestina, mantém a velha política das promessas sem continuidade prática, ou seja continuam a servir-se da questão palestiniana apenas e só quando pensam poder obter benefícios dela.

Com este cenário de ausência de solução rápida e com a continuação dos confrontos que nos últimos dias têm oposto partidários da Fatah e do Hamas, já não é apenas a instável situação no Líbano que poderá evoluir para uma guerra civil. Continuando a manobrar na sombra, os defensores de ideias como a do redesenho do Médio Oriente ou a da transformação dos tradicionais regimes árabes[ii] em regimes democráticos estão em vias de garantir que outros conflitos se poderão em breve juntar aos actualmente em actividade, assegurando a perenidade da presença americana na região.

Os discursos e os apelos de algumas vozes palestinianas mais moderadas tardam em fazer efeito e dificilmente serão ouvidas num período tão conturbado, mas o facto que permanece é que seja qual venha a ser a resolução desta crise, quem vai sair enfraquecido e com minguadas possibilidades de ver a sua situação melhorada são os palestinianos e aqueles que se têm batido pela efectiva autonomia de um povo cujas últimas gerações têm sido malbaratadas (e massacradas) em nome de algo que nós apenas entendemos de forma superficial.

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[i] Designação por que é conhecido o exército israelita.
[ii] Custe a quem custar, a forma tradicional de ascensão ao poder entre os povos árabes sempre se fez por via do poderio militar.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

SERÁ DESTA?

Raramente aqui tenho abordado questões do futebol nacional, tanto quanto a memória me ajuda apenas uma vez aqui referi um caso que ele tivesse relação a propósito da candidatura de Ferreira Torres à Câmara de Amarante e sobre o caso «APITO DOURADO», porém acontecimentos recentes começaram a justificar a recolha de “material” para um futuro “post” que a nomeação hoje feita pelo PGR, Pinto Monteiro, tornou ainda mais urgente.

Anunciada pelo próprio como a sua primeira escolha, foi hoje tornada pública a nomeação de Maria José Morgado para a coordenação dos processos relacionados com o processo «APITO DOURADO».


A razão para o ânimo que me levou a escolher o título deste “post” é o reconhecido historial de empenhamento e luta que a procuradora Maria José Morgado apresenta e que se tornou mediaticamente mais conhecido após a sua saída da chefia da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira da Polícia Judiciária. Desde então não haverá neste país que não associe de pronto ao seu nome a ideia de efectivo combate a “comportamentos desviantes” como o da corrupção.


Mesmo tratando-se de um processo complicado e que mais do que envolver altas figuras da política ou da sociedade, envolve interesses do mundo do futebol, o que entre nós significa mexer com “paixões maiores que a própria vida”. No mundo do irracional, que é aquilo em que há muito tempo se transformou o futebol e todo o enorme negócio que o rodeia, tudo se pode esperar que aconteça, mas sinceramente creio que com uma personalidade como a da Maria José Morgado talvez possamos esperar que algo mais aconteça que o simples desfilar dos dias até ao arquivamento dos processos ou a julgamentos com asseguradas sentenças de absolvição.


Com esta nomeação o novo Procurador-Geral da República parece querer “mostrar serviço” e nesse capítulo que se cuidem os Valentim Loureiro, os Pinto da Costa e demais figuras que enxameando os meandros do futebol têm usado e abusado da estreiteza de vistas daqueles que não vislumbram além das “cores” (ou não querem porque também têm tido muito a ganhar com essa “miopia” colectiva) porque os ventos parecem começar a ser de mudança…

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

«NUNCA MÁS»

Voltou hoje à primeira página de um jornal chileno este antigo grito contra Pinochet, por ocasião da sua morte, coisa pouco extraordinária, atendendo aos seus 91 anos e ao estado de saúde que há vários anos vinha servindo de pretexto para o eximir à justiça, a uma justiça que se exigia face às atrocidades que ordenara, ou em seu nome foram cometidas, após o golpe militar que em 1973 o colocou no lugar que era ocupado por Salvador Allende, uma das suas primeiras vítimas.

Para quem possa ter alguma dúvida, basta recordar os mais de 3.000 mortos ou desaparecidos que as estatísticas (as possíveis de elaborar) revelaram e as mais de 30.000 pessoas submetidas a prisão arbitrária e tortura, tudo em nome da “sacrossanta” luta contra o comunismo. Sim, porque convém não esquecer que o governo democraticamente eleito que derrubou era encabeçado por um perigoso comunista, nacionalizador de empresas e terras, patrono de uma reforma agrária e de muitos outros “crimes” caso tivesse permanecido no poder.

Felizmente Pinochet e o exército chileno puderam contar com o desinteressado auxílio dos EUA (na altura governado por Richard Nixon, o único presidente americano que se viu obrigado a demitir-se por espionagem política) que através de uma das suas agências (a CIA, no caso concreto) investiu milhões de dólares num programa de sublevação e de desestabilização económica para derrubar Allende. Resultado: além dos milhares de mortos e desaparecidos, da banalização do desrespeito dos mais elementares direitos humanos, Pinochet e o seu governo militar rapidamente inverteram o processo de nacionalizações iniciado por Allende, devolvendo aquelas empresas aos seus proprietários, incluindo a exploração do minério de cobre aos americanos, e como prémio acrescentou ainda sectores tradicionalmente públicos como os telefones, a electricidade e os transportes aéreos.

Tudo isto foi feito em prol do combate à inflação e ao deficit externo e mereceu o apoio e o aplauso de um dos economistas mais reputados da época: Milton Friedman, o designado “pai” da “escola de Chicago”, que além de mentor de Pinochet seria mais tarde um dos ideólogos mais ouvido pela equipa de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher.

Bem podem clamar os ainda hoje seus indefectíveis apoiantes que sem a intervenção de Pinochet a economia chilena caminhava para o colapso e que a situação relativamente saudável que ela hoje atravessa a ele se deve. É certo que com tão radicais medidas (e sem o contra vapor americano) a economia chilena conheceu anos de grande crescimento, mas isso foi fundamentalmente alcançado à custa da redução dos salários e do nível de vida da esmagadora maioria da população chilena, que no final do consulado militar (Março de 1990) apresentava um quarto da população a viver abaixo do limiar de pobreza e, pasme-se, uma dívida externa várias vezes superior à de 1973.

Registe-se ainda que com a saída do poder em 1990, Pinochet manteve a qualidade de chefe supremo das forças armadas chilenas, situação que lhe permitiu evitar qualquer tentativa de julgamento. Apenas após o abandono daquele cargo, que ocupou além dos 80 anos, se registaram as primeiras tentativas de o apresentar à justiça, sob as mais diversas acusações: homicídio, rapto, tortura e ainda por corrupção, evasão fiscal e posse de passaporte falso.

Debate económico e político aparte, resultou da morte de Pinochet algo que muita gente classifica de flagrante injustiça – mais de uma década após o seu afastamento do poder nunca as suas vítimas lograram ver aplicada a justiça que mereciam. Bem pregarão aqueles que recordam que a restauração do regime democrático no Chile e noutros países da América Latina é por si só o reconhecimento e a celebração de uma certa justiça àquelas vítimas, mas, em nome da mais elementar justiça Pinochet não podia ter morrido sem ter sido julgado e condenado em conformidade com as suas responsabilidades durante o período da ditadura militar.

Não é por isso de estranhar que desde ontem seja notícia nos jornais o que está a acontecer no Chile, onde a par com os que choram a morte do ditador outros saíram à rua para manifestar a sua alegria.

Triste espectáculo a de se ver comemorada em praça pública a morte de alguém, mas inevitável quando uma sociedade, e os seus governos, permitem que malabarismos judiciais se sobreponham ao superior interesse nacional que é o de julgar mais que evidentes suspeitos da prática de crimes contra a humanidade.

domingo, 10 de dezembro de 2006

CURIOSIDADES DO RELATÓRIO BAKER

Os EUA voltam a oferecer-nos um dos grandes acontecimentos da semana. Desta vez tratou-se da apresentação oficial do relatório do Grupo de Estudos para o Iraque, comissão bipartidária, também conhecida por “Comissão Baker” por um dos seus presidentes ser o republicano e ex-secretário de estado James Baker.
Já em anteriores ocasiões, como a propósito da redefinição de fronteiras no Médio Oriente e sobre a oportunidade de uma política de diálogo, me referi a esta comissão e às possíveis conclusões que o seu trabalho apresentaria. Tal como então previ o relatório não defende nem a retirada nem o reforço da presença norte-americana no Iraque; em poucas palavras poderá ser este o resumo do extenso documento:
- a situação no Iraque é grave e está a deteriorar-se;
- se a situação se continuar a deteriorar o governo iraquiano poderá entrar em colapso e provocar uma catástrofe humanitária;
- os EUA devem abrir uma via diplomática para construir um consenso que conduza à estabilidade do Iraque e da região, nele incluindo os países vizinhos;
para alcançar os seus objectivos no Médio Oriente, os EUA terão de abordar e resolver a questão israelo-árabe;
- o empenhamento americano na questão israelo-árabe deve incluir conversações directas entre Israel, o Líbano, os Palestinianos (que reconheçam o direito à existência de Israel) e a Síria;
- os EUA devem reforçar o apoio político, económico e militar ao Afeganistão, incluindo meios que ficarem disponíveis com a retirada do Iraque;
- a principal missão dos EUA no Iraque deve ser o apoio ao exército iraquiano;
o governo iraquiano precisa de mostrar, ao seu povo e ao americano, que merece o lugar que ocupa;
- até ao primeiro trimestre de 2008, em função da evolução da situação no terreno, as forças americanas dispensáveis para a protecção deverão ser retiradas do Iraque;
- os EUA não devem assumir o compromisso de conservar um grande número de tropas no Iraque;
que no essencial aponta para a necessidade de substituir a abordagem militar pela diplomática como forma de permitir uma retirada digna para os americanos.
Para quem queira ler mais além, fica a ideia de que aos subscritores do documento terá faltado a coragem para escrever o que muitos dizem há muito sobre a política externa norte-americana. Sempre dentro do conceito do “politicamente correcto”, James Baker, Lee Hamilton e a equipa de conselheiros especiais prestou-se a um papel de “advogado do diabo”muito macio; tão macio que nunca questiona a razão principal para o “atoleiro” em que se transformou o Iraque: O QUE FOMOS NÓS LÁ FAZER?
Ressalvada esta questão, não deixa de não ser paradigmático o facto de entre as razões para o desenvolvimento da violência o relatório mencionar, por esta ordem «…a insurgência sunita, a violência xiita e os esquadrões da morte, a Al-Qaeda e a criminalidade generalizada». Contrariamente à administração Bush que depois de desmascarada a tese das armas de destruição em massa de que Saddam Hussein disporia, passou a usar e abusar do chavão do combate ao terrorismo e à Al-Qaeda para fundamentar a invasão do Iraque, o relatório da “comissão Baker” atribui à convulsão política e religiosa originada com o derrube do regime de Saddam a principal fonte da instabilidade actual no Iraque.
Igualmente curiosa é a proposta do relatório de que ao governo iraquiano seja exigida maior quota-parte de acção no combate contra os “rebeldes”; em declarações posteriores até já se começou a falar em aplicar sanções ao governo de Al Maliki caso este não obtenha resultados naquele combate.
Ou a vergonha é algo que deixou de existir para os lados de Washington ou as dificuldades americanas no Iraque devem ser bem maiores do que podemos imaginar para se ter chegado ao cúmulo do cinismo que é a de propor castigar o governo e o povo iraquiano por uma situação de que os EUA são os principais responsáveis; ou não foram eles que invadiram o país e derrubaram o regime de Saddam?
Ganham assim maior importância e novos contornos as recentes sondagens realizadas no Iraque que dão conta da insatisfação das populações perante o actual estado do país e do facto de os tempos de Saddam serem lembrados com saudade.
Ás primeiras reacções de George W Bush ao conteúdo do relatório, que foram no sentido de lhe atribuir alguma importância e a garantia de uma “leitura atenta”, começam a suceder-se outras, como a da recusa em quaisquer conversações com a Síria e o Irão e mais recentemente as declarações da secretária de estado Condoleezza Rice que mantém e reafirma as teses essenciais que conduziram à invasão do Iraque. Perante isto até a posição aparentemente moderada e conciliadora do novo secretário de estado da defesa, Bob Gates, soa a falso.
Neste contexto quem, de boa fé, poderá esperar alguma alteração significativa na política externa americana?
Mesmo que a nova distribuição de poder nos EUA, com os republicanos na Casa Branca e os democratas na Câmara de Representantes e no Congresso, possa vir a introduzir alguma moderação nos dois últimos anos de mandato de George W Bush, dificilmente isso se traduzirá em significativa alteração no cenário de conflito que se vive no Médio Oriente. Mesmo que se admita como mais remota a hipótese da crise nuclear iraniana se concluir por um ataque norte-americano (atenção que o reactor Osíris iraquiano foi bombardeado pela aviação israelita e então essa acção só ocorreu com o conhecimento prévio e o beneplácito americano, algo que se pode voltar a repetir) isso pouco contribuirá para a pacificação de uma região onde os interesses (e os milhões de dólares) investidos falam mais alto.
Enquanto nos EUA se continuam a esgrimir relatórios e trocas de declarações entre políticos, enquanto na Europa cada estado vai anunciando boas intenções e apelando, consoante os seus próprios interesses no Médio Oriente (ou simplesmente em agradar aos americanos), no Iraque e na Palestina continua-se a morrer sem que se vislumbre utilidade, ou apenas um fim à vista, para tudo isto.
Dos locais onde as grandes decisões são tomadas e onde os efeitos das mortes são avaliados em dólares ou na subida das cotações do “crude” e dos índices bolsistas, apenas se pode esperar que tudo continue como até aqui. Tanto mais que os lucros não têm parado de crescer…

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

A IMPORTÂNCIA DA INFORMAÇÃO

Numa época de globalização generalizada, um dos sectores onde este fenómeno é mais evidente, mas nem sempre se traduz em efectiva melhoria, é o da informação. Qualquer acontecimento, em qualquer ponto do globo, pode ser transformado em notícia de primeira página em qualquer jornal de qualquer país, o que infelizmente não significa melhor informação.

Para uma melhor clarificação desta constatação basta recordar o que acontece no Iraque e na forma como o Pentágono controlou a informação difundida pelos jornalistas presentes no local. Alegando razões de segurança e obrigando os repórteres a trabalharem sob a cobertura das forças atacantes, transformou os seus relatos da forma que melhor servissem os seus interesses.

Talvez por tudo isto e porque por esse mundo fora ainda existe muita gente que insiste em procurar outras fontes de informação além das oficiais, é que o universo da Internet regista o sucesso e a procura que se lhe conhece. Além dos muitos grupos de investigadores que por esta via continuam a publicar os seus trabalhos e pesquisas, existem também aqueles que usam a “NET” como via de difusão de informação.

Neste grupo conta-se um cidadão norte-americano que quase desde o início da invasão do Iraque vem publicando uma estatística das baixas registadas no conflito. No início em parceria, agora de forma isolada, Michael White mantém uma página na Internet que iniciou como um trabalho de alguém que se opõe à guerra e que procura que esta realidade não seja deturpada.
De cidadão anónimo passou agora a fonte regular de informação que jornais americanos como o “Los Angeles Times”,o “The Washington Post” e o “The New York Times” usam em detrimento das
fontes oficiais do Pentágono.

Disponível no endereço http://www.icasualties.org/oif/ o trabalho deste cidadão que como ele próprio o afirma apenas pretende oferecer números fiáveis e, tanto quanto possível em tempo real, tem-se revelado mais do que utilitário, como uma chama de protesto contra uma guerra que cada vez é considerada injustificável.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

QUE FUTURO PARA AS NOSSAS URBES?

A propósito das migrações populacionais debruçou-se ontem Perez Metelo na sua crónica no DIÁRIO DE NOTÍCIAS sobre a questão da desertificação urbana, com especial reflexo no caso lisboeta.

Afirma o autor que aquela cidade sofre de «…um mercado da habitação esquizofrénico, no qual impera o pousio de fogos vazios, com a complementar cartelização de preços proibitivos para o seu arrendamento…» e questiona-se sobre quando intervirá o Estado para solucionar o problema.

Observando este fenómeno de forma menos localizada facilmente concluímos que do mesmo mal padecem a generalidade dos centros urbanos nacionais. Desde a capital às cidades e vilas do interior, passando por todas as capitais de distrito, não haverá nenhuma que possa afirmar-se livre do fenómeno que dá pelo nome de ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA e salvo algumas vilas que têm merecido tratamento especial pela sua envolvente histórica aquilo a que assistimos é à regular aparição de verdadeiros atentados urbanísticos, que vão da simples “maison” do emigrante bem sucedido até à construção de edifícios totalmente despropositados na sua volumetria face à restante malha urbana.

O problema da desertificação dos centros urbanos não sendo um fenómeno novo nem por isso parece constituir motivo de preocupação (e de intervenção) dos poderes públicos (Estado e Autarquias), pelo que continuamos a ver os núcleos mais antigos das nossas urbes em estado avançado de degradação, com imóveis que oferecem mínimas condições de habitabilidade (maioritariamente ocupados por idosos e/ou famílias que não foram encontrando recursos para disporem de outra habitação melhor), mantendo-se muitos deles apenas pelas obras de modernização realizadas nas lojas localizadas ao nível do chão (os que de tal beneficiam) ou a aguardarem a inevitável ruína como recentemente sucedeu em Coimbra.

Este exemplo não é de modo algum extremo, aqui mesmo em Almeirim bom número de habitações da zona mais antiga encontra-se abandonada e muitas delas apresentam já evidentes sinais de ruína. Infelizmente todos bem sabemos as razões para este estado de coisas, que podendo ter começado por uma genuína falta de capacidade económica para a recuperação dos edifícios se transformou hoje em mera manobra de especulação imobiliária, incentivada não só pelas empresas do sector mas também em boa parte pelos própria gestão autárquica muitas vezes condenada a viver das receitas do licenciamento da construção.

Esta via enviesada de financiamento autárquico agravou ainda mais um problema de solução já de si complicada – o da recuperação do património imobiliário – e está a originar outro tipo de problemas. Ao licenciarem construção de volumetria superior à média as autarquias que numa primeira fase beneficiam com o encaixe financeiro originaram sobrecargas nas redes de saneamento, de distribuição de água e energia e viária que lhes acarretarão aumento nos custos de manutenção e renovação das referidas redes.

Além da descaracterização das malhas urbanas, o que se obteve com facilitismos e políticas desregradas foi a degradação da qualidade de vida das populações. Para exemplificar esta situação nem é preciso lembrar os casos extremos do Algarve (região onde tudo foi sacrificado aos interesses de um turismo de muito duvidosa qualidade e nulo proveito ambiental), basta caminharmos pelas ruas da nossa cidade e observarmos a disparidade entre os edifícios tradicionais (com um ou dois pisos) e os ditos modernos, que mais parecem participar numa desenfreada corrida em altura.

Espaços que anteriormente albergaram uma família vêm agora esse número multiplicado por três ou quatro e depois rapidamente surgem as queixas sobre a fraca pressão da água nas canalizações e o inevitável aumento dos custos com a energia ditados pela instalação de bombas de pressão ou, mais normal e económico, chovem as “queixas” sobre a ineficácia da Câmara.

Outro problema não menos grave surge com a sobrecarga na rede viária resultante do aumento da concentração populacional e da falta de espaços de estacionamento uma vez que a construção habitacional raramente é acompanhada da indispensável criação de áreas de estacionamento nos próprios edifícios, seja porque a isso não são obrigados os construtores, seja porque as entidades licenciadoras vão facilitando uma imposição que reduziria os lucros daqueles.

Desde que se generalizou entre nós o conceito de que a aquisição de habitação própria é a forma normal das famílias portuguesas acederem à habitação (em qualquer parte do Mundo faz-se o mesmo por via do arrendamento) que não têm parado de se cometer atentados e atropelos ao bom senso (e ao bom gosto) em nome de algo que talvez para muitos seja um sinal de progresso, mas para mim não passa de mais uma manifestação do proverbial “provincianismo” português.

Quando em matéria de urbanismo se chegar à conclusão que raramente o moderno é que é bom e bonito, já será demasiado tarde para inverter a destruição que fizemos não apenas do património imobiliário mas também da qualidade de vida que houve nas nossas cidades e vilas.

domingo, 3 de dezembro de 2006

TERÁ COMEÇADO O DIÁLOGO?

Desenrolaram-se esta semana alguns eventos que poderão, a prazo, ter alguma influência na situação no Médio Oriente.

Fazendo jus ao tradicional papel de moderador iniciado durante o governo de Hussein, a Jordânia, agora sob o governo do rei Abdullah II, foi a anfitriã de um encontro entre George W. Bush e o primeiro-ministro iraquiano, Nouri Al-Maliki. Como resultado deste encontro, foi apresentado o plano para acelerar a transferência de poderes para o governo iraquiano, podendo anunciar-se esta intenção como uma via desesperada para encontrar forma dos americanos saírem do Iraque salvando a face.

Atendendo ao cenário político americano resultante das últimas eleições, a importância deste encontro não deriva tanto das conclusões mas de muitos outros acontecimentos que o rodearam. Antes de se deslocar a Amã, Al-Maliki teve um encontro em Ancara com o primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, que ficou marcado pela frontal oposição da Turquia a qualquer tentativa de divisão do Iraque e em particular à constituição de um estado curdo.


Quase em simultâneo o presidente iraquiano, o curdo Jalal Talabani, encontrou-se em Teerão com o seu homólogo Mahmoud Ahmadinejad e, obviamente, a questão central foi a situação no Iraque, tendo Teerão manifestado o seu apoio à estabilização naquele território, mas exigindo uma alteração na “política agressiva americana”.

Antecedendo aquela reunião o próprio Abdullah II tornou pública a visão do seu país sobre a situação na região. Numa entrevista a uma cadeia de televisão norte-americana o rei não foi tímido e falou abertamente num cenário de eclosão de três guerras civis na região – Iraque, Líbano e Palestina – enfatizando a necessidade dos EUA analisarem a situação de forma global e não parcelarmente como o têm feito.

Na imprensa americana começaram a surgir as primeiras notícias sobre o conteúdo das conclusões da “Comissão Baker”. Como previsto as hipóteses ventiladas apontam para a preparação da retirada das tropas americanas mediante o aprofundamento de soluções diplomáticas, sendo que a grande questão centrar-se-á na dificuldade de encetar processos negociais sem se conhecerem as partes envolvidas. Quando em resultado da invasão americana foi destruído todo o aparelho governamental e militar do regime de Saddam, corre-se agora o risco de haver mais negociadores que lugares à mesa das negociações.

Talvez prevendo já este cenário deputados e ministros do governo iraquiano afectos ao grupo xiita liderado pelo clérigo Moqtada Al-Sadr, abandonaram os trabalhos parlamentares e governativos em protesto pelo encontro entre George W Bush e Al-Maliki. No plano interno o Iraque continua a registar um número elevadíssimo de vítimas diárias da luta entre sunitas e xiitas e o real poder do governo limita-se à zona de alta segurança em Bagdad sob estrito controlo americano - a chamada “zona verde”.

Paralelamente, no Líbano acentuam-se os sinais de conflito entre partidários pró-sírios e anti-sírios, forma eufemista de referir uma das principais clivagens da sociedade daquele país – divisão entre “islâmicos “ e pró-ocidentais. No primeiro grupo encontram-se os partidários do Hezbollah, do Amal e de outros pequenos grupos islâmicos mais radicais e no segundo os árabes moderados e os cristãos, com particular destaque para os maronitas. Neste alinhamento foi recentemente introduzida uma significativa perturbação no “establishment” político, definido nos termos do Acordo de Taif que em 1989 pôs fim à guerra civil, nomeadamente no recente realinhamento das forças cristãs de Michel Aoun com o Hezbollah e o Amal na exigência de revisão dos termos de partilha dos lugares no governo libanês.

O grande sinal desta mudança pode estar agora mesmo em curso, quando uma manifestação convocada por Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, para dia 1 de Dezembro, se converteu num “sit in” exigindo a demissão do governo, actualmente liderado pelo sunita Fouad Siniora.

Enquanto isto nos territórios palestinianos parece estarem-se a dar alguns passos no sentido de resolver a crise resultante das eleições legislativas do princípio deste ano. Com a vitória do grupo islâmico radical Hamas, os países ocidentais que conjuntamente com Israel fomentaram a derrota da Fatah (grupo palestiniano moderado) decidiram a aplicações de sanções económicas com vista a forçar a substituição no governo da Autoridade Palestiniana. Após terem forçado ainda em vida de Yasser Arafat a criação de uma liderança bipartida entre o governo e a figura do presidente, os EUA e a UE (principais financiadores do estado palestiniano) aplicaram uma política de boicote financeiro que conduziu a insípida economia palestiniana ao colapso e ao agravamento das tenções entre os partidários dos dois principais grupos – Hamas e Fatah. Embora este diferendo possa vir a ser resolvido em breve com a constituição de um governo de unidade, dificilmente serão ultrapassadas as diferenças, muitas delas fomentadas do exterior.

Mesmo que se retome o parco diálogo entre o primeiro-ministro israelita Ehud Olmert e o presidente palestiniano Mahmoud Abbas, o reduzido campo de manobra interno de Olmert poderá determinar a continuação das incursões do exército israelita na Faixa de Gaza e as retaliações palestinianas (ou vice-versa), mediante recurso ao disparo de mísseis rudimentares (Qassam) que em nada têm contribuído para uma acalmia num conflito que se arrasta há mais de duas gerações e que continua sem dar efectivos sinais de abrandamento. Enquanto israelitas e palestinianos continuam a trocar acusações mantém-se por resolver a questão da captura de um soldado israelita que os palestinianos insistem em só trocar pela libertação de um número significativo dos milhares de prisioneiros palestinianos detidos em Israel. A disputa que divide estes dois povos mantém-se em aberto e questões como o direito de retorno dos milhares de palestinianos forçados a fugir pelas sucessivas incursões judaicas é apenas uma dos muitos entraves à realização de eficientes conversações de paz.

Neste cenário triplamente conturbado os políticos norte-americanos mostram-se cada vez menos capazes de formular um plano de acção e tentar cumpri-lo. Terá sido precisamente para responder a esta incapacidade que foi criada a “Comissão Baker” cujas conclusões deverão ser anunciadas em breve. Especulações à parte, conhecendo-se o carácter eminentemente conciliatório de James Baker não será estranho que as conclusões a apresentar não incluam nem uma retirada imediata das tropas americanas estacionadas no Iraque, nem um reforço dos seus efectivos e do seu envolvimento no processo de pacificação do Iraque.

Contrariamente à opinião de muitos especialistas militares que agora defendem o reforço do contingente de tropas no Iraque, como meio para alcançar o desmantelamento dos grupos de resistentes que persistem em flagelar as tropas de ocupação, entre os quais se conta Anthony Zinni, general na reserva que inicialmente se opôs à invasão, a posição a adoptar pelo Pentágono e pelo presidente George W Bush pode variar entre uma de três:
  • “GO BIG” – aumentar o efectivo militar para jugular a revolta popular;
  • “GO LONG” – preparar-se para prolongar a permanência das tropas americanas por tempo indeterminado;
  • “GO HOME” – abandonar o Iraque à sua sorte;

tendo presente que todas elas têm vantagens e inconvenientes e que dificilmente George W Bush aceitará sair do Iraque sem poder reivindicar uma vitória.

O novo equilíbrio de forças em Washington não se traduzirá numa significativa alteração da política norte-americana para o Médio Oriente, pelo que em qualquer dos três estados referidos – Iraque, Líbano e Palestina – não se deverão registar significativas alterações a curto prazo, ou pelo menos estas não deverão ocorrer antes da resolução da crise nuclear iraniana.