quinta-feira, 28 de junho de 2007

SINAIS CONTRADITÓRIOS

Enquanto persiste a ideia de converter Tony Blair, o aliado preferencial de George W Bush e da inqualificável campanha militar contra o Médio Oriente, no negociador da paz israelo-árabe, algo que se assemelha a procurar combater o fogo com gasolina, um dos mais prestigiados defensores israelitas do princípio “dois povos-dois estados”, o escritor Amós Oz, viu-lhe ser atribuído um dos mais prestigiados prémios internacionais de letras – o Princípe das Astúrias.

Natural de Jeruslaém, Amós Oz foi um dos fundadores do movimento Peace Now e tem procurado com as suas obras descrever o ambiente em que vivem israelitas e palestinianos. Polémico quanto baste, tem vindo a defender uma solução que julga mais justa para os dois povos e, como seria de esperar, tem recebido fortes críticas de ambos os lados do conflito.

Apesar de ter combatido nas principais guerras em que Israel se viu envolvido (a Guerra dos Seis Dias e a do Yom-Kippur) e de afirmar sem pejos que voltaria a pegar em armas caso sentisse que o seu país estava realmente ameaçado, tem sido sistematicamente acusado de traição pelos mais radicais dos seus concidadãos e simultaneamente de pouco radical pelos palestinianos.

Embora não inesperado, é curioso que perante o delicado equilíbrio que deve ser o dia-a-dia de palestinianos e israelitas seja a comunidade internacional da cultura a revelar um maior equilíbrio e um maior sentido ético que a comunidade política.

Bom seria se propósitos e princípios como os defendidos por Amós Oz neste texto data de 2004:

«As duas faces do fanatismo, por Amós Oz

Uma onda de fanatismo religioso e nacionalista está a crescer por todo o mundo islâmico, das Filipinas a Gaza, Líbia e Argélia, do Afeganistão, Irão e Iraque até o Líbano e o Sudão.

Aqui, em Israel, temos sofrido os efeitos desta maré de fanatismo letal: quase diariamente somos testemunhas de assassinatos em massa e incitamentos odiosos, entre sermões religiosos que tecem loas à Jihad e sua concretização por meio de bombas suicidas e carros-bomba lançados contra civis inocentes.

O facto de sermos vítimas do fundamentalismo árabe e muçulmano deixa-nos frequentemente cegos, de modo que tendemos a deixar passar em branco a ascensão do extremismo chauvinista e religioso não apenas no mundo islâmico mas também em várias partes do mundo cristão e, de facto, também no judaico.

Se ficar comprovado que a terrível provação sofrida pelos Estados Unidos resulta do fato de “mulahs” e “ayatolahs” fanáticos persistirem em retratar o país como "o Grande Satã", então os EUA e Israel, o "Pequeno Satã", terão que preparar-se para enfrentar uma luta longa e árdua.

Talvez seja apenas humano que, por baixo do choque e da dor, sempre persista em alguns de nós, aqui em Israel, uma pequena voz que diz: "Agora, finalmente, todos eles vão compreender o que estamos a passar", ou "agora, finalmente, eles vão ficar de nosso lado".

Mas esta voz pequena é extremamente perigosa para nós. Ela pode facilmente levar-nos a esquecer que, com ou sem fundamentalismo islâmico, com ou sem terrorismo árabe, nada justifica a duradoura ocupação e repressão da população palestina por Israel. Não temos nenhum direito de negar aos palestinos o seu direito natural à autodeterminação.

Dois enormes oceanos não puderam proteger os EUA do terrorismo; a Cisjordânia e a Faixa de Gaza certamente não protegem Israel. Pelo contrário, dificultam e complicam a nossa autodefesa. Quanto antes terminar essa ocupação, melhor será tanto para os ocupantes quanto para os ocupados.

Neste momento, é muito fácil e tentador cair em clichés racistas sobre a "mentalidade muçulmana", o "carácter árabe" ou outras asneiras desse tipo.

O crime hediondo cometido contra Nova York e Washington vem lembrar-nos, de maneira contundente, que esta não é uma guerra entre religiões nem uma luta entre países. É, mais uma vez, a batalha entre fanáticos, para quem os fins - sejam eles religiosos, nacionalistas ou ideológicos - santificam os meios, e o resto de nós, que atribuímos santidade à própria vida.

Apesar da manifestação repulsiva de alegria e comemoração vista em Gaza e Ramallah enquanto pessoas em Nova York ainda estavam a ser queimadas vivas, que nenhum ser humano decente se esqueça de que a imensa maioria dos árabes e outros muçulmanos não é cúmplice do crime nem se regozija com ele. Quase todos estão tão chocados e aflitos quanto o resto da humanidade.

Talvez eles até tenham algum motivo especial de preocupação, na medida em que alguns sons ameaçadores de sentimentos anti-islâmicos indiscriminados já se fazem ouvir em alguns lugares. Tais manifestações não constituem reacção apropriada a este crime - pelo contrário, elas servem aos propósitos daqueles que o perpetraram.

Lembremo-nos: nem o Ocidente, nem o islamismo, nem os árabes são o "Grande Satã". O "Grande Satã" é personificado no ódio e no fanatismo.

Essas duas doenças mentais que vêm da Antiguidade ainda nos afligem hoje. Precisamos tomar muito cuidado para não deixar que nos contagiem.»

fossem utilizados pelos políticos que persistem em alimentar um clima de confrontação enquanto, candidamente, anunciam aos quatro ventos tudo fazer em prol da Paz.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

NEM SEMPRE A FRUTA É DOCE

Nas últimas semanas a COMPAL tem sido notícia nos meios de comunicação nacional. Destacando-se pela positiva pela iniciativa da criação de um Dia Nacional da Fruta e pelo empenho na divulgação de iniciativas de educação alimentar, mas também pela bem menos nobre razão da disputa entre os seus actuais accionistas, que não se entendem quanto aos resultados registados em 2006.

Após a sua aquisição à NUTRINVESTE, em Novembro de 2005 pela SUMOLIS e pela CGD, a empresa manteve a sua política de crescimento e de investimento, sendo de destacar o que realizou para o lançamento do produto Compal Essencial, no montante de 13 milhões de euros. Porém, a avaliar por aquelas notícias nem tudo estarão a ser rosas...

Os compradores, que concentraram as suas participações (80% para a CGD e 20% para a SUMOLIS) na INBEPOR e que posteriormente a fusionaram com a COMPAL (forma seguramente interessante de “atirar” os custos financeiros da aquisição para a adquirida), não se entendem agora na contabilização dos resultados do exercício de 2006. Para o accionista maioritário a COMPAL encerou o exercício com um resultado positivo de 1,2 milhões de euros (valor que seguramente constará do seu resultado consolidado), enquanto para a SUMOLIS o resultado foi de 1,1 milhões de euros de prejuízo.

Fazendo fé nas notícias, o que está em causa é muito mais que um diferendo de 2,3 milhões de euros (aparentemente fruto de divergências quanto ao tratamento contabilístico a dar a um crédito fiscal no valor de 2,5 milhões de euros), pois a CGD e a SUMOLIS parece não se entenderem quanto ao futuro da empresa. Nos termos do acordo formalizado para a aquisição da COMPAL, a SUMOLIS terá assumido o compromisso de adquirir os 80% da CGD, mas até esta data ainda não avançou com nenhuma proposta, ao que parece por dificuldades de financiamento.

A CGD, cujo único óbvio interesse no negócio terá sido uma eventual valorização da empresa para posterior venda (mesmo descontando um eventual interesse político na manutenção da propriedade da COMPAL em Portugal) vem ameaçando o parceiro minoritário com a intenção de proceder à venda a outros interessados [1].

A decisão da CMVM – COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS de se pronunciar favoravelmente à interpretação da SUMOLIS[2] é de todo em todo irrelevante, porquanto o cerne da questão deve ser procurado noutro lugar.

Esta residirá não só no diferendo entre a CGD e a SUMOLIS, mas principalmente nos contornos do processo de aquisição à NUTRINVESTE, onde além do preço de aquisição excessivo (fenómeno realçado na altura por inúmeros operadores do mercado) se destaca o facto da empresa compradora apresentar uma situação económico-financeira francamente inferior à adquirida (a SUMOLIS registava um período de resultados negativos enquanto a COMPAL chegava a apresentar lucros superiores a 25 milhões de euros) e de se ter confrontado com um generalizado desinteresse do sector financeiro (apenas a CGD surgiu como parceira no negócio), situação que parece manter-se até esta data.

Infelizmente, tudo se conjuga para que os receios que há mais de um ano aqui manifestei se venham a tornar realidade.

A concretizar-se a ameaça da CGD não faltarão interessados na aquisição, tanto mais que a regra actual na economia de mercado é a da recuperação e reestruturação de empresas, entendendo-se esta prática como a aquisição de activos para posterior desmembramento, encerrando os sectores menos rentáveis e assegurando a posterior venda dos mais rentáveis e o respectivo encaixe financeiro.

De momento pouco mais resta que aguardar para vermos qual vai ser o real futuro da COMPAL e das sua unidades industriais de Almeirim e de Vila Flor, mas a concretizar-se o cenário mais pessimista ambas as autarquias se deverão preparar para assistir e enfrentar uma degradação da situação económica e social a nível local.
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[1] Ver a notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS
[2] Ver a notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS

sábado, 23 de junho de 2007

DRAMA EUROPEU

A UE conheceu mais um Conselho Europeu que marcou o encerramento do período da presidência alemã.

Tal como em anteriores oportunidades discutiram-se os termos de um novo tratado europeu, que na sequência da frustrada tentativa de instauração de uma constituição, todos esperam permita continuar a “aventura europeia”.

Madrugada fora, foi alcançado um acordo do qual todos os intervenientes dizem ter saído vencedores:

  1. a Alemanha porque logrou alcançar um acordo;
  2. a Inglaterra porque manteve as suas inúmeras prerrogativas e derrogações e conseguiu adiar novamente a questão da política externa comum;
  3. a Holanda porque não viu degradados os poderes das assembleias nacionais;
  4. a Polónia porque mesmo vendo-se obrigada a aceitar o fim da regra da unanimidade (substituída pela da dupla maioria - 55% dos países e um mínimo de 65% da população) conseguiu adiar a sua aplicação para 2017;
José Sócrates, o Primeiro-Ministro português não disse nada, mas deve ter ficado muito feliz por não ter que se debater com aquele problema.

Facto é que ao ritmo dos “acordos” vai-se mantendo actual esta imagem que data já de 2004:

sexta-feira, 22 de junho de 2007

A IMPORTÂNCIA DE HAVER QUEM NORTEIE

A notícias ontem divulgadas pelas edições on-line de jornais como o PUBLICO e o DIÁRIO ECONÓMICO que davam conta das conclusões dum estudo realizado por um investigador do MIT (Massachusetts Institute of Technology) sobre a viabilidade de construção em Portugal de um novo aeroporto internacional, mais do que uma confirmação sobre as muitas dúvidas que rodeiam este projecto é a demonstração da importância da intervenção da sociedade civil nesta polémica.

Note-se que na origem da notícia, como o refere o próprio PUBLICO, está a divulgação daquele estudo no blog NORTEAMOS, facto que reforça aquela afirmação e revela, infelizmente, que o jornalismo de investigação atravessa um período de franca crise.

Não pretendo com esta observação endeusar uns e vilanizar os outros. Estou apenas a constatar uma realidade, que sem deixar de reconhecer que o aparente recuo do governo de José Sócrates se deveu fundamentalmente à intervenção do Presidente Cavaco Silva (até este ter formulado as primeiras dúvidas o governo manteve inflexível a sua postura de perfeito autismo), justifica a referência e o apelo a uma ainda maior participação de TODOS NÓS nesta matéria, tanto mais que muito do que se encontra referido no estudo de Richard de Neufville (que pode ser lido aqui) já o foi por muitos outros especialistas nacionais.

Talvez uma forte mobilização da sociedade civil consiga evitar a concretização de mais uma atrocidade e a produção de mais um “elefante branco”...

quarta-feira, 20 de junho de 2007

UMA SURPRESA, MUITAS DÚVIDAS

Numa época de grandes transformações em que as notícias (e as novidades) se sucedem a um ritmo alucinante parece que nada já nos poderá espantar, porém, de quando em vez algo vai surgindo para contrariar esta ideia.

Não tanto pelo conteúdo, mas principalmente pelo título (as manchetes anda continuam a ser importantes no dia a dia) esta notícia do PUBLICO merece que lhe dediquemos alguma atenção:
TRABALHADORES PORTUGUESES VÃO TER OS AUMENTOS REAIS MAIS BAIXOS DA OCDE ATÉ 2008

A contínua erosão do poder de compra das classes trabalhadores em Portugal é algo que poderá espantar os analistas da OCDE (o que duvido); a divulgação da novidade poderá suscitar críticas dos “analistas” nacionais tradicionalmente próximos dos partidos governamentais (“noblesse oblige” e de quando em vez é preciso sair em defesa dos “chefes”), poderá até aumentar o tom e o número dos que ao longo de anos têm vindo a dizer o mesmo (sem nenhuma espécie de sucesso), mas não constitui qualquer novidade para os que sentem esse efeito no bolso.

Mas o mais espantoso da notícia não é a revelação de uma evidência, negada por muitos, mas o teor das explicações que a própria OCDE avança.

Quem iria esperar de um organismo com a reputação, a seriedade e um historial de total subordinação aos interesses económicos dominantes, uma explicação que aponta para a responsabilização da globalização – em particular para o fenómeno da deslocalização das unidades industriais – e para a inoperância dos governos dos seus países membros (por acaso os mais industrializados do planeta)?

Tranquilizem-se os mais impetuosos! A OCDE não afirma que a responsabilidade da situação é do modelo de desenvolvimento, nem do desajustamento das teses liberais.

A verdadeira explicação para esta quase apostasia reside no facto daquele organismo recear que a “corda esteja a esticar demais” e que num futuro próximo os responsáveis políticos pelo actual estado das coisas possam vir a sofrer consequências.

No documento "Employment Outlook 2007", ontem divulgado pela OCDE, questões como o efeito da globalização e do aumento das importações sobre o número de empregos e sobre os salários, apesar de afloradas, ficaram por responder.

Convenientemente, os autores do estudo, ficaram-se pelo enunciado de algumas evidências (tão evidentes que só não as vê quem não quer ver) como a de que o aumento das desigualdades sociais terá resultado, principalmente, da adopção de tecnologias de ponta geradoras de uma procura crescente de trabalhadores qualificados em detrimento dos restantes e de um maior investimento das empresas em tecnologias de capital intensivo. Sobre o devastador efeito resultante da generalização de um sistema de desenvolvimento económico exclusivamente baseado nos ganhos de capital, nem uma palavra.

De forma explícita ou disfarçada, a generalidade dos analistas (pelo menos os que maior eco e destaque obtêm nos meios de comunicação) evita abordar outras teorias ou formulações que sugiram alternativas ao modelo dominante. Sobre questões como a da necessidade de reforma do sistema monetário, nem uma palavra.

Porque será que perante as evidentes incongruências geradas pelo sistema dominante (que tudo subordina ao crescimento de um indicador como o PIB) os defensores de outros conceitos, como o do desenvolvimento sustentado e o da economia do bem-estar, continuam a ser tratados como meros activistas antiglobalização ?

O que haverá de estranho em defender princípios que defendem a avaliação das políticas económicas em termos dos seus efeitos sobre o bem-estar geral, quando o que diariamente vemos em nosso redor são os efeitos de uma política económica cada vez mais orientada para o enriquecimento de uma minoria e para o empobrecimento geral?

Quando cada vez mais se fala nos problemas originados pela poluição, ela própria fruto de uma época de exploração desenfreado de recursos, porque não defender a aplicação dos princípios básicos de sustentabilidade (aqueles que ao longo de séculos permitiram à espécie humana desenvolver-se neste planeta) às políticas económicas?

PORQUÊ O SEGREDO?

No dia que marca mais um aniversário de elevação de Almeirim a cidade não é de modo algum displicente tentar aqui reflectir sobre o teor de uma das notícias da última edição de O ALMEIRINENSE, sobre o interesse da autarquia numa futura utilização do edifício do IVV – Instituto do Vinho e da Vinha, que o Ministério da Agricultura pretende alienar.

Segundo declarações do Presidente da Câmara, José Sousa Gomes, «...gostaria "de ficar com uma parte da edificação com intenção de preservar a fachada virada para a rua de Coruche e poder utiliza-la em iniciativas" da responsabilidade da autarquia» pelo que esta já terá realizado um estudo «...no sentido de o IVV ter alguma rentabilização de tão grandes instalações como aquelas que existem em Almeirim e Benfica do Ribatejo...»

Parecendo abandonada uma velha intenção de converter o espaço num museu evocativo da criação da primeira adega cooperativa, que ocorreu naquele mesmo local no ano de 1935, que outras utilizações lhe estarão reservadas?

Sobre essa questão pouco, nada, adiantou o autarca.

A não instalação no local do museu projectado poderá não ser, por si só, uma má notícia. Basta ver as características da maioria dos espaços museológicos nacionais para se compreender o quero dizer.

Admito como muito possível que outra utilização acabe por dignificar melhor o espaço e a cidade, porque o simples amontoar de “velharias” evocativas das práticas tradicionais associadas ao cultivo da vinha e à produção do vinho acabaria, tarde ou cedo, por votar o edifício a novo abandono.

O interesse de ver o espaço aproveitado em prol da comunidade e como mais um pólo cultural da cidade, deverá ser o “leit motiv” de todos os almeirinenses e em especial da autarquia, pelo que me custa a entender o facto de existir um estudo sobre a sua utilização que é desconhecido da generalidade da população.

Estaremos perante um “tabu” local, como o da Ota? ou o “estudo” é apenas para o IVV ver?

Perante os contornos que o processo de reutilização do edifício começa a apresentar, parece-me reduzida a probabilidade de nele vir a ver instalado um espaço que efectivamente contribua para a dignificação cultural da cidade e ainda menos que aquele espaço venha a sentir sentido como seu pela comunidade.

domingo, 17 de junho de 2007

IRMÃOS INIMIGOS

O confronto que nos últimos dias se tem agravado na faixa de Gaza entre militantes palestinianos do Hamas e da Fatah, mesmo que reflexo de “outras guerras”[1] não é menos uma luta fratricida, cujo único real perdedor será o povo palestiniano.

Ainda assim, não resisto a sublinhar como é curioso que a par com a notícia da decisão do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, de dissolver o governo liderado por Ismael Haniyeh (do Hamas) de pronto tenham surgido dois tipos de reacções. Enquanto, segundo esta notícia do DN, o Hamas anunciava a “libertação” da faixa de Gaza, desvalorizava aquela decisão de Abbas e reforçava as suas críticas de colaboracionismo à direcção da Fatah, dos EUA chegavam, via uma notícia da BBC, ecos de declarações do Presidente George W Bush, confessando-se profundamente preocupado com o agravamento da crise e apelando ao cessar da violência, e da Secretária de Estado Condoleezza Rice manifestando-se em apoio de Abbas e do exercício da sua autoridade.

Mas mais interessante que sublinhar aqui as “lágrimas de crocodilo” de Bush ou o enfático apoio da sua Secretária de Estado à Fatah, será lembrar que tudo isto se aparenta mais com um suicídio da causa palestiniana que com uma simples luta pelo poder (argumento tão do agrado da imprensa ocidental). Mesmo relembrando que o conflito entre as duas forças palestinianas se agravou após a vitória do Hamas nas eleições legislativas que tiveram lugar no início de 2006 e que teve como forte elemento catalisador a decisão dos EUA, de Israel e da UE de boicotar política e economicamente um governo democraticamente eleito (os observadores ocidentais ao processo eleitoral classificaram-no, na altura, como mais democrático até então realizado num país árabe[2]), medida complementada com a suspensão de todo o apoio financeiro a um povo obrigado pela força militar israelita a depender quase exclusivamente desse auxílio, nem por isso este deixa de constituir um fortíssimo revés para a causa palestiniana.

De pouco ou nada deverão agora servir a nomeação de um novo governo, liderado pelo tecnocrata pró-Fatah, Salam Fayyad, ou piedosas observações, como esta publicada no jornal judaico YEDIOT AHARONOT, reconhecendo as responsabilidades da política israelita na sua proverbial incapacidade para negociar com os palestinianos. O pior (para os palestinianos) parece ter acontecido e bem pode agora o governo de Ehoud Olmert apelar à criação de uma força árabe de interposição; Mahmoud Abbas perdeu todo o seu campo de manobra, se é que alguma vez o teve, e os moderados do Hamas, com o primeiro-ministro Ismael Haniyeh poucas condições deverão encontrar para remediar o mal feito.

Bem mais cientes desta realidade estarão muitos dos habitantes palestinianos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, para os quais o fundamental ainda é um clima de paz que possibilite a organização das suas vidas diárias.

Igualmente reveladora deste sentimento tem sido a forma como grande número de “cartoonistas” têm representado a luta fratricida entre os palestinianos.

Porque as palavras que pudesse usar para reforçar aquele sentimento não constituirão muito mais que uma repetição de outras que já usei para apreciar a situação global no Médio-Oriente aqui deixo uma imagem que espero tenha melhor efeito que muitas palavras...

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[1] Ver o “post” intitulado «O DIFÍCIL EQUILÍBRIO»
[2] Ver esta notícia da BBC, publicada em 26 de Janeiro de 2006, e esta outra do DN, na mesma data

sábado, 16 de junho de 2007

FESTAS DE ALMEIRIM 2007

Começam hoje as Festas de Almeirim 2007.


Se do programa de espectáculos o destaque vai para a apresentação dos «DA WEASEL» (ainda alguém me há-de explicar porque é que a “noite grande” ficou para o Sardet), já no que respeita à principal atracção do evento – as “tasquinhas” – o destaque tem que ir direitinho para as notícias que correm sobre uma possível actuação da ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.

Diz-se mesmo (ver este “post” do novo “blogJARDIM DA REPÚBLICA) que muitas das colectividades locais que habitualmente animam este evento, receando as elevadas multas e coimas não vão arriscar a sua presença.

Confirmem-se, ou não, os piores receios, uma coisa é certa... estamos perante mais um excelente exemplo da habitual tacanhez mental dos responsáveis nacionais!

Mais papistas que o Papa, totalmente desprovidos de um mínimo de massa cinzenta e da consequente capacidade de discernimento, nomeados senhores “todo-poderosos” por um qualquer processo onde a avaliação de capacidades se resumirá ao oscilar NA VERTICAL dos côndilos occipitais sempre que um chefe emita um som, eis condenada aos ostracismo uma das ainda sobreviventes práticas de convívio e cavaqueira, em nome do modernismo e do politicamente correcto.

Ninguém ignora que as condições higieno-sanitárias deste tipo de eventos se resumam ao básico, mas também ninguém (pelo menos possuidor de um mínimo de bom senso e que não paute a sua actuação por normas de obediência canina) pode esperar que eventos desta natureza, pela finalidade e precariedade das condições em que decorrem possam oferecer melhores condições.
A confirmar-se este tipo de actuação estaremos apenas a assistir à morte anunciada de mais uma manifestação da identidade cultural nacional, prática que não creio seja seguida noutros países da UE (nunca ouvi falar em semelhantes problemas em eventos como a mundialmente célebre FESTA DA CERVEJA, em Munique, nem assisti a semelhantes rigores na ASTE NAGUSIA basca).

A sanha persecutória parece porém aplicar-se apenas a uma das vertentes deste tipo de eventos, já que nada ouvi (ou alguma vez vi) quanto à necessária verificação dos níveis de barulho praticados. Não está tanto em causa o período de actuação das “vedetas” (embora também aqui devesse haver um cuidado mínimo quanto ao ruído produzido e quanto ao zeloso cumprimento dos horários, por forma a que as actuações não se prolonguem além da meia-noite), mas sim assegurar que ao longo do dia (porque normalmente as instalações sonoras começam bem cedo a debitar níveis abomináveis de decibéis) os níveis de ruído não ultrapassem o aceitável.

Depois de termos assistido à morte das tradicionais tabernas (embora na vizinha Espanha, sujeita ás mesmas regras comunitárias tal ainda não tenha acontecido), das “tascas das iscas e das bifanas” alfacinhas e de nos prepararmos para “matar” os cafés com a aplicação da futura lei anti-tabaco, eis que se prepara agora o fim das “festas populares”.

Se tudo isto não estiver inserido numa estratégia concertada para acabar com os “ajuntamentos” e as possibilidades de convívio e de diálogo entre os cidadãos, então, não sei como classificar esta completa insanidade.

É em oportunidades como esta que sempre recordo a conhecida história que se conta a propósito de uma “consulta” efectuada por um antigo responsável pela cultura nacional a Prof. Agostinho da Silva. Quando lhe foi perguntado o que fazer para difundir a cultura nacional, o velho professor respondeu com aquele desassombro e frontalidade que se lhe conhecia: «Abram tasquinhas, com pastéis de bacalhau e copinhos de vinho…»

sexta-feira, 15 de junho de 2007

I WANT YOU (ANYBODY) FOR US ARMY

As dificuldades registadas pelo Pentágono no recrutamento de um contingente adequado às actuais necessidades do aparelho militar norte-americano, nomeadamente para assegurar a rotatividade das tropas no Iraque, não são novidade.

Há muito tempo já que essas dificuldades são conhecidas, têm sido alvo de notícias na imprensa e até de algumas análises mais ou menos interessantes, mas o que recentemente noticiou a revista norte-americana «IN THESE TIMES», num artigo assinado por Terry J. Allen, intitulado «AMERICAS CHILD SOLDIER PROBLEM», vai muito além dos meros problemas originados pelas dificuldades no aliciamento de jovens para a guerra. O que o seu autor denuncia é a estratégia que o Pentágono está a usar para atingir quotas de alistamento que não param de crescer.

Como qualquer outra empresa sujeita ao actual modelo de gestão por objectivos, também os serviços de recrutamento norte-americanos recorrem às mais inconfessáveis (e condenáveis) estratégias para aliciar os jovens americanos. De acordo com aquela revista o exército norte-americano contava em 31 de Maio último cerca de 81.000 membros com idade inferior a 20 anos, dos quais 7.350 com apenas 17 anos.

Na ânsia de atingir as quotas necessárias os aliciadores têm-se socorrido de toda a espécie de subterfúgios e manobras, “assaltando” quase literalmente os terreiros dos liceus. Elaboradas campanhas de marketing são de uso corrente nas escolas; alicerçadas num orçamento estimado em mais de 4 mil milhões de dólares, 22.000 pessoas trabalham activamente no recrutamento e o manual do recrutador que utilizam expõe sem ambiguidades as tácticas a utilizar – frequentar os bares das escolas, travar amizade com elementos destacados que possam exercer influência sobre os alunos, exibir filmes de propaganda ressaltando o ambiente de camaradagem de meio militar.

Esta agressividade é particularmente orientada para a comunidade latina, uma vez que a comunidade negra se está a revelar cada vez menos receptiva ao alistamento, e canalizada para as escolas frequentadas por alunos de origens mais modestas, pois é sobejamente conhecida a pouca apetência dos chamados filhos-famílias para o serviço militar (como não recordar aqui aquela sequência de imagens do Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, em que este distribui impressos de recrutamento aos congressistas e as respectivas reacções).

Esta situação de verdadeiro assédio é igualmente relatada por outros órgãos de comunicação, como o NEW YORK TIMES e o WASHINGTON POST que além dela referem ainda os problemas resultantes da redução dos critérios de alistamento. De acordo com o primeiro, a taxa de novos recrutas que apresentam um passado criminal cresceu 65% nos últimos três anos, situando-se em quase 12%, dado tanto mais importante quanto é conhecida a quebra no número de negros alistados e sabido que esta comunidade é a que apresenta a maior taxa de condenações.

Outro factor igualmente revelador do pouco cuidado posto no processo de alistamento é a crescente presença de elementos da extrema-direita (membros e/ou simpatizantes de organizações racistas partidárias do princípio da superioridade branca, do tipo Ku Klux Klan[1]) nas fileiras do exército, situação que já aqui referi há quase um ano.

Estas estratégias falaciosas de recrutamento, além de merecedoras de uma mais que óbvia condenação, são tanto mais preocupantes quanto acompanhadas de uma generalizada redução nos critérios de admissão, agravadas pela ausência de vigilância dos casos mais perigosos, não poderão deixar de se revelar desastrosas num futuro mais ou menos próximo. Para já serão apenas os iraquianos (e demais árabes) a sofrer as primeiras consequências da imaturidade moral e das tendências agressivas dos novos guerreiros das américas, mas tarde ou cedo estes regressarão ao seu país e às respectivas comunidades...
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[1] Ku Klux Klan (também conhecida como KKK) é o nome de várias organizações racistas dos Estados Unidos que apoiam a supremacia branca, o antisemitismo, o racismo, a homofobia e o protestantismo (padrão conhecido também como WASP) em detrimento a outras religiões, foi fundada em 1866 por veteranos do exército confederado. Na sequência de acções de natureza terrorista e criminosa (linchamento de negros, nos estado do sul) foi quase extinta pela acção do presidente Ulisses S. Grant. Refundada em 1915, chegou a contabilizar 4 milhões de membros nos anos 20 mas regista hoje um número reduzido de activistas, talvez 3.000, mas diz-se que conta com o apoio de muitos não associados. (in Wikipedia - http://en.wikipedia.org/wiki/Ku_Klux_Klan e http://pt.wikipedia.org/wiki/Ku_Klux_Klan)

segunda-feira, 11 de junho de 2007

PRESSÃO E BOM SENSO

O PUBLICO noticiou hoje, bem cedo, que o «Governo vai estudar Alcochete como alternativa para novo aeroporto de Lisboa», fazendo eco das declarações do ministro Mário Lino na Assembleia da República.
Parecendo que a grande mobilização em torno do “posso, quero e mando” do governo de Sócrates começa a revelar alguns frutos, permanece a grande e fundamental questão: onde estão os indispensáveis estudos económicos (avaliação dos custos com a obra) e de custo-benefício para a tomada de decisão?

Sem querer privilegiar qualquer das opções (Ota, Alcochete ou outra) continuo a afirmar que não basta escolher uma localização em função de critérios ambientais (importantes, sem qualquer sombra de dúvida, mas não únicos); a situação económica e financeira do país torna ainda mais indispensável que TODAS as opções sejam consideradas, incluindo a solução Portela +1 (manutenção do Aeroporto da Portela e abertura de outro, aproveitando as infraestruturas das bases aéreas do Montijo ou de Sintra, vocacionada para os voos “low cost”).

Agora que o governo anunciou o adiamento da abertura do concurso do futuro Aeroporto Internacional de Lisboa por seis meses, urge manter vivo o debate no sentido de assegurarmos que será escolhida a melhor opção, tanto mais que a decisão agora anunciada, segundo o DIÁRIO DIGITAL, se limita a mandatar o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) para estudar a viabilidade de construir um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete.

domingo, 10 de junho de 2007

O 10 DE JUNHO – PASSADO E FUTURO…

A data a que o Estado Novo atribui um sentido nacionalista e propagandístico (e que muitos ainda hoje vêem como o dia de condecorações) nem sequer foi por ele criada, pois as suas origens remontam à implantação da República, período em que começou por ser um feriado municipal.

Usado pela I República como evocação de uma das primeiras manifestações republicanas durante a monarquia (as jornadas camonianas levadas a cabo em 1880), acabou adulterado quando o Estado Novo o transformou no dia das condecorações, estigma que ainda não perdeu completamente.


Sem querer entrar em polémicas, nem discutir aqui a validade e mérito individuais, lá vamos este ano voltar a assistir a uma parada de condecorações (a lista das quase quatro dezenas de agraciados pode ser consultada aqui) e a continuar a sentir aquele incómodo interior que estas encenações contêm.

Mesmo tendo perdido o epíteto de “dia da raça”, para passar a ser o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades e que alguns esforços continuem a ser feitos no sentido de manter da identidade cultural nacional, nos tempos de uma globalização imposta e em que as sociedade comercial e militarmente mais avançadas impõem pela força (dos argumentos ou das armas quando os primeiros fracassam), é preciso muito mais que apelar aos feitos gloriosos dos antepassados e à “boa vontade” das gerações actuais (ver o discurso de Cavaco Silva ontem proferido na Câmara Municipal de Setúbal).

Aos nossos governantes (actuais e futuros) tem que se exigir mais que a construção de megalómanas obras de regime, o equilíbrio das contas públicas e das balanças de transacções; tem que se exigir que os programas de formação escolar e profissional alcancem mais que os mínimos (dos mínimos) que actualmente são exigidos aos jovens. A formação dos cidadãos deste país não pode continuar a esquecer a cidadania e a cultura (entendendo-se estas no seu sentido lato e de importante meio de coesão social) e ainda menos persistir na mera formação de mão-de-obra subserviente.

O despertar dos jovens para a exploração das suas capacidades, intelectuais, físicas e artísticas, parece-me mais do que uma tarefa importante, uma função vital para o desenvolvimento e a manutenção da nossa identidade cultural de que o Estado se tem alegremente divorciado.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

A Ota e os Velhos do Restelo

Não há praticamente um dia sem que nos meios de comunicação surja uma notícia, um comentário ou uma simples referência à Ota[1].

Mesmo quando aquelas se repartem entre quem defende o projecto e quem o contesta, o número de pessoas que lhe permanece indiferente é cada vez menor e muitos que inicialmente até concordavam com o encerramento do Aeroporto da Portela já se estarão a questionar sobre a questão. É óbvio que a sucessiva desmontagem de argumentos como o do esgotamento da capacidade da Portela, os elevados custos de construção de um aeroporto na zona da Ota, a menor qualidade de navegabilidade aérea da região, o risco acrescido que constituirá a construção de um aeroporto internacional a uma cota mais baixa que as edificações existentes na rota de descida, o total desfasamento da nova estrutura aeroportuário com a rede viária e ferroviária existente, tem tido o seu peso, acrescido ainda pelo facto do governo e dos defensores do projecto persistirem sem apresentar efectivas e concretas razões para a sua opção.

Ciente dos muitos “problemas” que rodeiam a ideia de construir um aeroporto internacional na Ota, não me espanta que até Cavaco Silva já tenha vindo a público chamar a atenção para a necessidade de melhor fundamentar a opção e da apresentação de estudos que realmente demonstrem a validade desta opção. Mesmo admitindo que Mário Bettencourt Resendes possa ter razão quando chamou a atenção, num artigo à dias publicado, que o Presidente da República «bem necessitado estava de encontrar uma área de distanciamento face ao Governo. A direcção do PSD, debilitada internamente e com enormes dificuldades em fazer frente a Sócrates, recebeu as palavras de Cavaco como "pão para a boca". Ou seja, corre-se o risco de transformar em arma de arremesso político-partidário uma questão de desenvolvimento estratégico» e que questões estratégicas como a que se debate o deveriam ser num ambiente tão isento de querelas partidárias quanto possível, a gravidade de uma decisão errada e a sua irreversibilidade é um risco incomportável para um país que na últimas décadas já malbaratou milhares de milhões de euros noutras obras de fachada.

Para a triste história do nacional-porreirismo despesista, iniciado no século XVIII com o célebre episódio dos carrilhões para o Convento de Mafra e continuada nos anos 60 e 70 do século passado com os estaleiros navais da Lisnave e da Setenave (concluídos após a reabertura à navegação do Canal do Suez), com a construção de uma vasta rede de auto-estradas (em detrimento de um mais adequado investimento numa moderna rede ferroviária), do Centro Cultural de Belém (obra faraónica que marcou a primeira presidência portuguesa da Comunidade Europeia), da Expo 98 (da qual pelo menos se aproveitou a recuperação de uma zona ribeirinha do Tejo) e da Ponte Vasco da Gama (bonita de ver da Expo, não de todo em todo inútil mas menos necessária que a ligação ao Barreiro), fica a esperança que tenha culminado com a insanidade que foi a construção de dez estádios de futebol para o Euro 2004 e que não continue com algo tão controverso como um aeroporto na Ota.

Mas, a avaliar por notícias como a que dá conta que uma designada Associação pró-Ota (que integra reputados técnicos e profundos estudiosos e conhecedores das matérias em questão, como Moita Flores, Silvino Sequeira e Paulo Caldas - presidentes das câmaras de Santarém, Rio Maior e Cartaxo, respectivamente - e José Eduardo Carvalho, da Associação de Empresários da Região de Santarém) veio lançar o apelo para um rápido início das obras de construção do novo aeroporto, sob o fortíssimo argumento de que «se o Governo recuar neste projecto é um Governo medroso».

Contra argumentos irrefutáveis, como o citado, como entender a notícia do EXPRESSO, que sob o título «Engenheiros chumbam Ota» dá conta de um documento assinado por mais de uma centena de engenheiros (professores do Instituto Superior Técnico) que refuta a inevitabilidade e a urgência da opção Ota?

Talvez apenas usando a lógica contrária à de que se socorreu José Niza quando escreveu no jornal O RIBATEJO: «Se os Velhos do Restelo tivessem levado a sua avante, nem à Madeira teríamos chegado! Raio de país este: nem levanta voo, nem sabe aterrar!»

Por mim, prefiro ser “Velho do Restelo” que levantar voo em mais um projecto megalómano e que apenas poderá aterrar de forma ruinosa.
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[1] Uma pesquisa na página PortugalDiário registava hoje cerca de quatro centenas de entradas enquanto o Google regista mais de trezentas mil.

domingo, 3 de junho de 2007

O DIFÍCIL EQUILÍBRIO

A realização de uma reunião, a nível de embaixadores, entre os EUA e o Irão, como a que ocorreu no passado dia 28, será um sinal de esperança para a existência de alterações no relacionamento entre os dois países?

Talvez os mais incautos assim o creiam ou talvez seja mesmo indispensável acreditar em milagres. Certo é que, de parte a parte, existem fortes razões para que uma política de desanuviamento entre os dois países seja uma realidade, mas não é menos verdade que os pontos de divergência parecem não cessar de aumentar.

Se é inegável que a ocupação americana do Iraque contribuiu, e muito, para fortalecer a posição regional do Irão e que, exageros à parte, as ambições nucleares iranianas têm servido igualmente para converter este país numa verdadeira potência regional, não é menos verdade que este estatuto não foi ainda reconhecido pela generalidade dos próprios parceiros regionais e que as explicações para este clima de aparente desanuviamento deverão ser procuradas nos próprios EUA e nas suas “lutas” internas, porque talvez só assim se explique o facto de parecer agora que o presidente George W Bush está a seguir as recomendações do célebre relatório da Comissão Baker, enquanto mantém um “braço de ferro” com o Congresso sobre questões ligadas à intervenção militar no Iraque.

Se aparentemente a facção menos beligerante dos “neocons”, para muitos corporizada pela secretária de estado Condoleezza Rice, estará a superiorizar-se aos partidários do vice-presidente Dick Cheney, nada de concreto garante que esta situação se mantenha, nem que os “falcões” israelitas não venham a provocar novos desequilíbrios.

Como várias vezes tenho referido, para o melhor e para o pior, a pacificação do Médio Oriente passará sempre pela questão palestiniana. E relativamente a esta como estão as coisas a desenvolver-se?

Após a acalmia induzida pelo desaire que foi a invasão israelita do Líbano no Verão de 2006 e enquanto Israel continua a procurar os responsáveis por aquela situação, ao governo liderado pelo Hamas na sequência das eleições legislativas do início daquele e que Israel, EUA e UE se recusaram a reconhecer, sucedeu-se um outro, em consequência de um acordo entre a Fatah e o Hamas e apadrinhado pela Arábia Saudita. Resultante da necessidade de pôr termo ao bloqueio institucional e económico decretado pelo Ocidente, este governo de unidade nacional prontamente se viu relegado à mesma situação do anterior quando Israel e EUA mantiveram a estratégia de recusa de contactos com elementos do Hamas.

Pior, o agravamento das condições no interior dos territórios palestinianos (com especial referência para a faixa de Gaza) acabou por originar o início de confrontos entre partidários da Fatah (nacionalistas laicos) e do Hamas (islamitas). Para este clima de confronto aberto também não terão sido estranhas outras interferências, como a americana e a egípcia, que poderão ter pressionado a Fatah a encarar o confronto como solução para o impasse e deverão estar a financiá-lo e a armá-lo. A própria fragilidade dos líderes dos dois grupos, Mahmoud Abbas pela Fatah e Ismail Haniyeh e Khaled Meshal pelo Hamas, não está a facilitar em nada o fim dos confrontos.

À impotência dos palestinianos, povo que há duas gerações se bate para ver reconhecido o seu direito a existir, para contrariarem a política desumana que Israel tem vindo a implementar há agora que juntar a inexistência de uma liderança forte e a grande probabilidade de ocorrência de um banho de sangue fruto de uma guerra civil que paradoxalmente parece fruto da segunda Intifada e do fracasso da táctica negocial de Yasser Arafat para a criação do Estado Palestiniano. Ao insucesso de Arafat correspondeu o sucesso de Ariel Sharon que (graças ao apoio dos EUA) logrou montar uma estratégia de minar a Autoridade Palestiniana, conjugada com o alargamento dos colonatos e o a permanente criação de um número cada vez mais de limitações às movimentações no interior dos territórios palestinianos, conduziu à total asfixia da débil economia palestiniana.

Após a morte de Arafat a Fatah liderada por um Mahmoud Abbas demasiado comprometido com Israel e os EUA e o Hamas, dividido entre a liderança interna de Ismail Haniyeh e a que no exterior mantém Kaled Meshal, têm-se envolvido num combate que extravasou já a esfera política; a Fatah, na ausência de um líder forte e carismático, viu-se derrotada num processo eleitoral que, apesar de classificado pelos observadores ocidentais que o acompanharam como totalmente democrático, foi rapidamente ultrapassado pela inqualificável política norte-americana de bloqueio.

Com os Acordos de Oslo definitivamente enterrados e o aproveitamento da Guerra contra o Terror lançada pela administração de George W Bush para aumentar ainda mais a pressão sobre o governo palestiniano do Hamas têm-se criado as condições para o recrudescimento da violência na região. Exemplo disto mesmo é o recente cenário de confrontos entre o exército libanês e os milicianos da Fatah al-Islam (movimento dissidente da Fatah Intifada, esta já dissidente da Fatah), nos campos de refugiados palestinianos de Aïn El-Héloué ou de Nahr Al-Bared, no Líbano.

A tentativa renovada pela Arábia Saudita em finais de Março para relançar a proposta de paz apresentada pela Liga Árabe em 2002, conhecida como o Plano de Beirute, que prevê uma solução para cada um das três mais importantes questões – Jerusalém, fronteiras e refugiados – propõe:

  • a retirada israelita de todos os territórios ocupados na sequência da Guerra dos Seis Dias (1967) - Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental e os montes Golã sírios;
  • o reconhecimento de um Estado palestiniano com Jerusalém como capital e concordar com o direito ao regresso dos refugiados palestinianos;
  • o reconhecimento por todos os países árabes e muçulmanos do direito à existência do Estado de Israel dentro de fronteiras seguras e estabelecimento com este de relações diplomáticas plenas;

esta proposta, que Israel prontamente repudiou pela voz da sua ministra dos negócios estrangeiros, Tzipi Livni, poderia ser uma interessante base de trabalho; talvez a única neste momento, caso os EUA, UE e a Rússia se interessem verdadeiramente por encontrar uma solução para a pacificação no Médio Oriente.

Os contactos agora restabelecidos entre os EUA e o Irão poderão ser um primeiro sinal positivo nesse sentido, embora o número de incógnitas ainda seja grande enquanto se aguardam mais reacções da Síria (ainda e sempre particularmente interessada no Líbano e na recuperação da soberania sobre os Montes Golã que Israel ocupa), do Egipto (particularmente interessado na destruição da principal força de oposição islamita interna, o movimento dos Irmãos Muçulmanos) e da própria Arábia Saudita, cujo regime sofre enormes pressões de facções religiosas islamitas, como é o caso dos wahabitas (facção mais extremista do ramo sunita).

sexta-feira, 1 de junho de 2007

OTA – PAR(A)LAMENTAR!

Na sequência do apelo para a realização de um debate sobre a construção do Aeroporto da Ota, que o Presidente da República lançou no início desta semana, veio ontem o Primeiro-ministro responder com o agendamento para meados de Junho de uma conferência parlamentar sobre o tema.


Ainda que forma um pouco leviana poder-se-ia dizer que, incluindo aquela conferência parlamentar, tudo isto é para lamentar. Senão vejamos:


1. é para lamentar que há dezenas de anos se venha “falando” na necessidade de substituir o Aeroporto da Portela, mas que nele se tenham continuado a “enterrar” milhões de euros em obras de melhoramento, expansão e adaptação, mas sem nunca se ter acautelado a expansão da malha urbana em seu redor;
2. é para lamentar que ao longo de todos aqueles anos pouco mais se tenham produzido que uns estudos prévios e que por fim tenha sido deixado ao livre critério de um “político” a escolha de uma opção;
3. é para lamentar que todos os partidos políticos que têm dividido o poder nas últimas décadas tenham participado nesta clara manobra de encobrimento de informação e de favorecimento de uma estratégia de facto consumado (mesmo os que agora de forma oportunística e após a generalização de um movimento contestatário venham criticar o que anteriormente defenderam);
4. é para lamentar que perante a generalização das críticas (mesmo que mais fundamentadas umas que outras) e perante o crescente número de técnicos que contestam a opção e/ou a forma como ela foi decidida, que o governo se remeta a uma posição de mera teimosia;
5. é para lamentar que às dúvidas e reticências fundamentadas que técnicos reputados de áreas tão diversas como a aeronáutica, a engenharia, os transportes e a gestão, o governo se remeta aos estudos em seu poder, que além de desgastados se sabe não passarem de estudos prévios;
6. é para lamentar que, fazendo fé nas intenções anunciadas pelo governo de José Sócrates, estejamos nas vésperas do lançamento de uma obra avaliada em 3 mil milhões de euros, desconhecendo:
a) a sua real necessidade, na medida em que os estudos que apontam para o esgotamento da capacidade da Portela se basearem em informação estatística desajustada da actual realidade do sector dos transportes aéreos e não contemplar nas projecções nenhum cenário resultante da futura ligação Lisboa-Madrid por TGV;
b) a existências de alternativas a uma localização da nova obra que parece mais ditada por critérios de interesse que por critérios de racionalidade
c) a existência e os resultados de um estudo de custo-benefício que comprove a viabilidade da obra;
7. é para lamentar que levantadas suspeições em torno dos reais interesses por detrás da escolha da Ota, até esta data nada, mas absolutamente nada, tenha sido feito para esclarecer essas dúvidas.


Tudo isto deveriam ser razões suficientes para que o debate da questão fosse o mais alargado possível e que todas as oportunidades fossem boas para conhecer as respectivas vantagens e inconvenientes e nunca, como parece ser a estratégia do partido no governo, para limitar o debate nem escamotear informação. Exemplo disto são as declarações de António Costa, o candidato do PS à Câmara de Lisboa e ex-ministro da administração interna do actual governo, que entende que existem problemas específicos da autarquia bem mais importantes que aquele.

Enquanto persistir a ideia de que a opção pela Ota assenta em critérios duvidosos, que existem outras localizações possíveis para o novo aeroporto e que carece de demonstração a urgente necessidade de semelhante infraestrutura, para mais num país cuja economia se revela a mais frágil da União Europeia e que para a concretização da obra o governo se prepara para entregar à iniciativa privada a gestão dos aeroportos nacionais, ninguém poderá permanecer indiferente nem silencioso sobre a questão.