sábado, 7 de março de 2009

CANTOS NOVOS, RUMOS VELHOS

Basta um rápido olhar pelos diversos meios de comunicação nacionais e estrangeiros para confirmar que o que neles não falta são doutíssimas e diversíssimas opiniões sobre a crise que vivemos e o que devemos fazer (e não fazer) para saímos dela.

Desde os principais responsáveis pela condução das grandes economias mundiais e dos seus sistemas financeiros que colaboraram activamente no processo de desregulamentação do qual resultou o colapso dos mercados financeiros e que incentivaram a implementação das políticas de deslocalização da produção industrial para mercados com menores custos de mão-de-obra (mas sempre fizeram questão de encher os seus discursos pomposos com referências aos direitos humanos), desde os aclamados teóricos (quase todos agraciados com prémios Nobel e outras digníssimas distinções) que sempre se desmultiplicaram em elaboras e doutíssimas explicações que demonstravam a excelência das suas teorias e o quanto todos iríamos lucrar com a sua aplicação prática, até aos políticos carreiristas cuja capacidade de visão e de entendimento da realidade dificilmente ultrapassa o cenário temporal do próximo ciclo eleitoral e aos jornalistas (aqueles que escrevem nos jornais e outros meios de informação) que tendo abdicado de quase toda a actividade crítica se transformaram em mais uma peça na engrenagem da difusão do pensamento dominante, todos começam agora a emergir como propagadores de novas ideias e de potenciais detentores da fórmula mágica, qual pedra filosofal alquimista transmutadora da crise, que a todos conduzirá ao próximo oásis económico.

Neste grupo encontram-se os Obama, os Brown e os Straus-Khan, os Roubini e os Krugman, os Sócrates, as Manuela Ferreira Leite e os Silva Lopes, que entre piedosas intenções ou meros lugares comuns vão debitando opiniões com a regularidade que os tempos conturbados exigem. E se no caso dos políticos algumas das declarações podem ser catalogadas no rol das meras banalidades a que tanto nos habituaram, doutros, como o ex-governador do Banco de Portugal, ex-presidente do Montepio Geral, ex-ministro das finanças, ex-consultor do FMI e do Banco Mundial, é de esperar mais que meras “boutades” como a que proferiu durante o almoço-homenagem promovido pela Associação Industrial Portuguesa e pela Ordem dos Engenheiros, defendendo a necessidade da congelação dos salários como via para a resolução da crise[1].

É que por mais louvável que seja a ideia de todos contribuirmos para o financiamento da parte da população na situação de desemprego, o insigne homenageado ter-se-á esquecido de explicar por que mecanismo é que o dinheiro assim poupado seria aplicado no apoio aos desempregados; mais, se Silva Lopes pretendeu chamar a atenção para a necessidade de mudança do estigma social associado à situação de desempregado, parece-me correcto, embora o mesmo não possa ser dito da forma como o expressou, mas se o verdadeiro objectivo era mais o de apresentar uma proposta inovadora, melhor seria ter ponderado quais os reais efeitos sobre a procura interna e sobre o efeito que uma ainda maior redução desta terá sobre o tecido empresarial nacional.

Mesmo entendendo a necessidade de recurso a políticas não ortodoxas, entre as quais a plateia que o ouvia pode muito bem ter classificado as propostas de aumento significativo da tributação dos dividendos, a limitação das deduções em sede de IRS para os rendimentos mais elevados e a criação de um escalão de IRS mais alto para os mais ricos (ideias tão ortodoxas que esperam não as ver aplicadas), a ideia da redução salarial nem sequer será inédita, como já terá constatado quem tenha lido no último número da revista VISÃO o artigo que refere a publicação próxima de um livro de Vítor Bento onde este defende a necessidade de redução dos salários reais por forma recuperar-se a competitividade da produção nacional.

Esta além de não constituir uma tese nova – antes um claro oportunismo e uma evidente mistura de conceitos – esta opinião do presidente da SIBS ainda escamoteia o facto dessa redução ser uma realidade há vários anos[2]. Pior, partindo de dados do BCE que referem um aumento de 13% nos custos unitários do trabalho em Portugal, relativamente à média da Zona Euro, e de um crescimento menor da produtividade nacional, conclui que apenas por via da redução dos salários reais será possível recuperar a competitividade perdida pela economia nacional.

Além da já referida limitação nas premissas, importa ainda lembrar que esta conclusão sofre de uma segunda, e grave, incorrecção. Sendo a produtividade definida como uma relação (quociente) entre a produção e os factores produtivos utilizados[3], as inúmeras combinações possíveis entre os dois factores produtivos (capital e trabalho) originarão valores muito díspares[4], nunca explicados e invariavelmente utilizados para fundamentar a necessidade de prejudicar o factor trabalho nas políticas de distribuição do rendimento.

Por último refira-se ainda a estranheza de propostas que se apresentam em perfeita discordância com declarações de outros teóricos e responsáveis que apontam a forte quebra na procura – ditada por factores como o crescimento real do desemprego e o efeito psicológico que este cria sobre o conjunto das famílias – como grande responsável pelo agravamento da crise económica e o facto de teses desta natureza apenas agravarem o sentimento de justa revolta de quem vê aparecerem cada vez mais milhões para o sector financeiro e empresarial enquanto os restante são abandonados à sua sorte.

Propostas desta natureza e fundamentadas em tão pouco sólida argumentação pouca utilidade terão como contributo válido para a superação da crise (salvo para as já privilegiadas minorias), tanto mais que os especialistas mantém ainda acesa polémica sobre a sua duração, não faltando quem lhe anteveja o final para breve, quem, como Paul Samuelson numa entrevista publicada na já referida revista VISÃO, preveja um horizonte de duração até 2012, ou ainda maior; o que seguramente não faltarão serão os oportunistas, prontos a delas se aproveitarem.

Exemplo do pronto oportunismo de teses despropositadas e demagógicas, como as de Silva Lopes e de Vítor Bento, foi o imediato aparecimento de notícias como a de que a «PT quer congelar salários em 2009» sob a alegação da crise económica mas escamoteando o facto de ter obtido 581,5 milhões de euros de lucro em 2008 e de no quarto trimestre desse ano ter visto aumentados os lucros em mais de 100% face ao período homólogo de 2007[5].
___________
[1] Sobre o assunto ver as notícias do EXPRESSO, TSF e PUBLICO.
[2] Estou a referir-me ao facto de há muitos anos se ter tornado prática corrente em Portugal o total absurdo de indexar os aumento salariais a um indicador fantasma – a inflação esperada – que habitualmente sempre se tem revelado inferior (e por vezes com grande desvio) à inflação real, fenómeno do qual resulta uma redução dos salários reais.
[3] Para não tornar a argumentação demasiado fastidiosa vou deixar de lado a discussão sobre a forma como se harmonizarão valores expressos em unidades diferentes (por exemplo, o preço de venda dos bens e número de horas de trabalho necessário para os produzir).
[4] Para se entender a dificuldade prática na determinação deste indicador basta recordar que cada unidade produzida é fruto da combinação entre diferentes dotações de capital e trabalho, pelo que o resultado poderá revelar-se completamente enviesado em situações com uma menor dotação de capital (por outras palavras numa dotação com maior preponderância para o recurso a um maior número de horas de trabalho/homem o resultado evidenciará uma menor produtividade ainda que esta não resulte de menor empenho ou qualidade do trabalho utilizado, mas sim de uma deficiente dotação de capital expressa num menor investimento em maquinaria).
[5] Dados extraídos desta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS.

Sem comentários: