sábado, 1 de maio de 2010

LIBERDADES

É particularmente estranho que quase concomitantemente com a data em que se celebra a liberdade de associação sindical (um dos direitos básicos em qualquer sociedade que se pretenda livre e democrática) um dos estados-membros da UE tenha aprovado legislação que proíbe o uso do véu islâmico em locais públicos.

Antecipando-se a uma anunciada iniciativa francesa (o inefável Sarkozy está em todas) e sob pretextos de natureza securitária, de igualdade do género e de defesa de “princípios democráticos fundamentais”, os parlamentares da câmara baixa belga aprovaram esta semana uma lei que, na prática, discrimina os praticantes islâmicos e para cuja entrada em vigor falta apenas a aprovação da câmara alta (Senado).

A decisão, prontamente difundida pela comunicação social e rapidamente apoiada pelos grupos mais conservadores ou mais xenófobos, constitui apenas mais um claro exemplo da caricata preocupação dos poderes estabelecidos em legislarem sobre matérias de dúbia utilidade quando paralelamente revelam a maior das inépcias em legislarem sobre questões, como matérias laborais, salariais e outras de natureza económico-social, que, essas sim, ferem diariamente os mais elementares direitos dos cidadãos.

Ninguém negará que é muito mais fácil (e talvez até rentável em períodos eleitorais) legislar sobre o uso de véus, o fumo ou a obesidade (mais dia menos dia este será fatalmente tema de uma qualquer proibição), que procurar soluções para o uso abusivo das ditas “liberdades dos mercados” ou para outros abusos e desmandos praticados pelos que rodeiam as esferas do poder político e do poder económico, como aqueles de que regularmente vamos tendo conhecimento.

Era óbvio que após o precedente suíço da proibição da construção de minaretes[1] (elementos arquitectónicos julgados estranhos na paisagem, quando nada é referido relativamente aos equivalentes católicos – as torres e campanários das igrejas – ao à profusão de verdadeiros atentados arquitectónicos de duvidoso gosto) chegaríamos a outras formas de ostracismo e de perseguição aos que pensam ou agem de forma diferente.

Precisamente por reconhecer que existem valores e regras sociais próprios das sociedades ocidentais que se deverão sobrepor a princípios religiosos minoritários (estou por exemplo apensar na questão da poligamia masculina prevista nos princípios islâmicos e que colide de forma objectiva com as regras seculares ocidentais[2]) é que julgo que decisões lamentáveis e quase ridículas como estas mais não farão que acicatar ânimos e justificar os radicalismos (e bem sabemos como os piores destes são os de fundamento religioso) que os representantes das sociedades democráticas tanto dizem combater.

O facto da decisão ter sido tomado pela quase totalidade dos parlamentares (sem qualquer voto contra e apenas duas abstenções) não reduz o seu caracter de arbitrariedade e ainda o enorme precedente criado; é que se agora os deputados belgas resolveram proibir o véu, amanhã poderão resolver proibir o uso de barbas ou bigodes e depois o uso de cabelos compridos ou curtos.

Mais que nunca o apelo à coesão dos que prezam os valores da liberdade de expressão e de opinião será determinante para as sociedades seculares enfrentem os ventos de insanidade e intolerância que sopram por esse mundo fora.
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[1] Sobre o assunto ver algumas notícias da época, como:«Suíços banem minaretes das mesquitas do país», «Le coup de massue», «Le vote suisse, "insulte à l'islam" et "signe de haine"» e «Swiss voters back ban on minarets», publicadas respectivamente pelo DN, pelo Le Temps, pelo Le Monde e pela BBC.
[2] Esta não é questão única na polémica gerada pela presença de grupos religiosos particularmente activos em sociedades crescentemente seculares. Sobre esta questão ver este interessante artigo de Stéphanie Le Bars, muito adequadamente intitulado «Les sociétés européennes crispées face à l'enracinement de l'islam».

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