quarta-feira, 1 de setembro de 2010

NÓS E OS OUTROS

Com o fim do tradicional período de férias estivais, junta-se ao habitual regresso às aulas para os mais jovens a chamada “rentrée” política, que no plano europeu tem estado a ser marcada pela polémica decisão do governo francês, liderado por Nicolas Sarkozy, de proceder à expulsão de um elevado número de famílias ciganas naturais da Roménia.

Baseado no princípio imposto pelos países da Europa Central quanto à movimentação e instalação dos naturais da Roménia e da Bulgária aquando da adesão daqueles dois países à UEE, sequioso de melhorar a sua imagem eleitoral (principalmente junto dos sectores mais conservadores) o governo francês decidiu proceder à expulsão de famílias de etnia cigana.Esta decisão do governo conservador de Sarkozy poderia não ter atingido as proporções que está atingir não fossem as anteriores polémicas declarações do actual Presidente (quando em 2005, então como Ministro do Interior, apelidou os manifestantes dos arrabaldes de Paris escumalha e ameaçou “limpar a zona à mangueirada”) ou as actuais do Ministro do Interior em exercício e a anunciada intenção de vir a retirar a cidadania aos cidadãos de origem estrangeira envolvidos na prática de crimes, numa clara e directa ligação entre emigração e criminalidade.


Em resumo, em provável consequência do escândalo financeiro Woerth-Bettencourt e seguramente como reflexo da queda da sua popularidade, o exuberante Sarkozy deu início a uma campanha que em boa medida os seus opositores apelidam de xenófoba. O próprio LE MONDE (jornal francês reputado internacionalmente e correntemente designado como moderado) já se envolveu na polémica e de forma particularmente dura para o inquilino do Eliseu, que num editorial assinado pelo seu Director, Eric Fottorino, escreveu há uns dias: «Depois da “escumalha” e da “mangueirada”, imagens de marca do sarkozismo, depois da criação do ministério da identidade nacional e da imigração, comparação duvidosa sugerindo que a segunda ameaça a primeira, o presidente ergueu ele próprio o muro. O dos preconceitos, dos estereótipos, dos inimigos do interior. O da desconfiança entre Eles e Nós, entre a França dos “verdadeiros” franceses e o sofrimento de todos os que não roubam nem matam, mas carregam o estigma do estrangeiro. Raramente foi tão curto o caminho entre o amor próprio e o ódio aos outros

Aberta a polémica, inflamadas as paixões (algo tanto mais fácil quanto os tempos de incerteza mantém altas as taxas de desemprego), bem podem vir agora os panegiristas do inefável Sarkozy lembrar que os críticos têm responsabilidades históricas (como o fez o conselheiro presidencial Alain Minc a propósito da reacção do Vaticano à expulsão dos ciganos), a milenar questão da resistência à integração das comunidades ciganas, ou mesmo tentar dourar a pílula mediante a organização de um encontro para debater o tema da imigração; o que realmente ressalta de todo este imbróglio é que a par das tradicionais dificuldades na integração das comunidades errantes (seja por vontade própria ou dos poderes estabelecidos), sociedades ditas modernas e esclarecidas continuam a permitir o aflorar dos sentimentos mais primários que há pouco menos de um século e na sequência daquela que então era a maior crise económica de sempre conduziram à emergência de regimes nacionalistas, fascistas e militares.

Estigmatizando hoje os ciganos, amanhã os negros e todos os dias os muçulmanos, caminhamos alegremente, numa Europa que se quis farol de liberdades e de direitos cívicos, para a destruição do principal de todos os princípios e valores: ninguém deve ser discriminado em função da sua origem, raça ou credo.

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