sexta-feira, 30 de março de 2012

O (MESMO) ESTADO DE NEGAÇÃO


Ao recente anúncio pelo Banco de Portugal de que a «recessão atinge 3,4% este ano» sucedeu-se a pronta reacção do governo PSD/CDS que pela voz do próprio primeiro-ministro «Passos Coelho desdramatiza previsões do Banco de Portugal».

Quando nos tempos do governo de José Sócrates, este vinha desdramatizar previsões menos favoráveis, prontamente se faziam ouvir as vozes dos apoiantes do actual governo acusando-o de viver em estado de negação da realidade. Mudados os tempos, que é como quem diz, agora no governo, esses mesmos opinantes aplaudem afirmações do primeiro-ministro, como a de que as «Previsões do Banco de Portugal “não se afastam muito” do previsto».


Qual sequela hollywoodesca de categoria inferior, eis-nos entrados em nova fase negacionista, com a grande diferença desta contar ainda com o silêncio da imprensa nacional. O nível de malabarismo dos políticos que conduzem os destinos do País é em tudo idêntico ao dos seus predecessores e o dogmatismo com que sustentam as suas afirmações apenas encontra paralelo na “fezada” que parece abundar em todos os ministérios (com especial relevo para o de Assunção Cristas) e na total ausência de capacidade argumentativa que revelam no mais variado tipo de questões, como seja quando se assegura, com uma convicção que não admite dúvidas e sem exposição de mais esclarecimentos, perante a sugestão de que o BCE financie directamente os estados, feita por José Seguro, que o «“BCE não tem nenhumas condições de poder funcionar como prestamista de última instância dos estados”».

quarta-feira, 28 de março de 2012

EURODÚVIDAS…


Como entender notícias, como a que assegura que «Juncker diz que a “Europa será mais forte” depois da crise da dívida», especialmente depois de se saber que a «Espanha entrou em recessão», que foi a «Queda do PIB britânico no final do ano revista em baixa para 0,3%» e que apesar dum crescimento de 1,7% ao ano, o PIB francês dá evidentes sinais de estagnação ao crescer apenas 0,2% no último trimestre?

Mesmo tomando como bom o aforismo que garante que o que não nos destrói nos torna mais fortes, como ficará a Europa depois da crise?

Continuaremos a viver numa região económica que prima pela relevância da sua componente social ou pelo contrário estaremos a querer concorrer com as regiões onde impera uma lógica produtiva alicerçada em baixos salários?

Até onde poderão os actuais cidadãos europeus esperar rever-se no futuro modelo europeu, quando todos os sinais que nos rodeiam apontam apenas no sentido da destruição do modelo social construído a partir dos escombros do último conflito mundial.


As questões aqui levantadas, mais do que pertinentes, deveriam constar duma agenda política que os dirigentes nacionais e europeus se esquivam em debater, deixando aos cidadãos que afirmam representar apenas a alternativa do inconformismo e da revolta. A atestar pelos incidentes ocorridos no dia da última greve geral, envolvendo polícia e manifestantes, os poderes estabelecidos parecem bem conscientes (e a prepararem-se para esse cenário) da realidade…

terça-feira, 27 de março de 2012

QUAL PUDOR…


Ainda que a política partidária não costume integrar o objecto destes escritos, a gravidade e a quase ausência de referências noticiosas ao episódio da repetição duma votação no último congresso do PSD, parece-me motivo suficiente para aqui ser referido.

Independentemente da relevância ou da perigosidade da proposta subscrita pela JSD no sentido de que os órgãos do partido passassem a ser eleitos por voto directo dos militantes, foi confrangedor ver o partido que dirige o governo do país repetir uma votação cujo resultado não agradou ao chefe.


A pública revelação deste atropelo democrático – qualquer que seja a sua justificação não deixa de ser uma enormidade – deveria ser o bastante para cobrir de vergonha os que nele participaram e o pior é que até os delegados que mantiveram o sentido inicial do seu voto (e foram muitos) colaboraram com o seu silêncio cúmplice na manobra. Envergonhados, não esboçaram um gesto, um esboço de protesto para não colocarem em risco uma hipotética ascensão ao “Olimpo dos seus deuses”.

Mesmo para quem entende que a política há muito deixou de constituir uma actividade ética, episódios desta dimensão não podem ser disfarçados e devem ser recordados, em especial quando entre os seus principais intérpretes se contabilizam as personagens a quem foi entregue a condução dos destinos do país.

Para os que ainda não se aperceberam da completa alienação em que vivem os partidos que têm partilhado o poder nestas últimas décadas (e os seus membros), compreendem agora a razão do descalabro que vivemos? Quem nos tem dirigido revela-se afinal não apenas incompetente e impreparado, mas principalmente desprovido do mínimo de pudor e de dignidade!

sábado, 24 de março de 2012

ABISMOS


De passagem por Nova Delhi, a directora-geral do FMI não se coibiu de assegurar, numa intervenção onde misturou sinais contraditórios, que «O mundo escapou ao “abismo” financeiro». Repetindo o essencial do que dissera uns dias antes em Pequim, onde foi deixar o recado que a «China deve reformar a sua economia», Christine Lagarde referiu as fragilidades que ainda persistem no sistema financeiro e que estarão (no seu entendimento) a condicionar a plena recuperação das economias, a par com o efeito de catalisador da mudança criado pela própria crise.

Para quem lhe atribua especial importância poderá parecer que o FMI está a sinalizar o princípio do fim da crise (em sintonia com o reiterado discurso dalguns políticos), embora quem se tenha dado ao cuidado de reflectir além do ouvido (e lido) facilmente poderá concluir que o que fez a ex-ministra das finanças francesa foi reafirmar a importância das mudanças impulsionadas pelas políticas de austeridade aplicadas no espaço europeu, ou seja, defender os princípios que são caros a organizações globalistas como o FMI e repetir mitos como o da destruição regeneradora.


Na verdade o FMI e os seus “especialistas” têm-se desdobrado em afirmações e apelos contraditórios; ora forçando a aplicação de modelos destruidores das economias domésticas em benefício do mercado global, ora lembrando beatificamente que os governos precisam de acautelar o crescimento económico, tecem uma teia da qual dificilmente se libertarão as economias mais débeis. Falam em recuperação e no fim da crise como se os indicadores não continuassem a apresentar resultados insatisfatórios, nomeadamente sinais de que a «Recuperação económica dos EUA ainda é débil e vulnerável ao exterior», isto quando cresce o sentimento de que a economia norte-americana apenas se consegue refinanciar graças ao facto da sua moeda ainda subsistir como meio internacional de pagamento e do “exterior” surgem sinais pouco tranquilizadores como o de que os «Dados económicos na China e Europa penalizam Wall Street».

Tudo considerado será exagero prognosticar, como o fez recentemente o think tank” europeu LEAP, que o Verão que se aproxima poderá trazer notícias do regresso dos EUA a uma nova fase de recessão (enquanto a Europa estagna e os BRIC desaceleram), repetindo a onda de subida das taxas de juro e de instabilidade nos mercados cambiais e obrigacionistas?

Quando a estes factores se adicionar a persistência no impasse político-militar na questão iraniana ainda parecerá exagero admitir que afinal estaremos apenas a caminhar no sentido de um novo “crash” nos mercados financeiros (potencialmente acelerado pela especulação sobre o preço do petróleo e outras matérias-primas estratégicas) e que boa parte das principais instituições financeiras (bancos, seguradoras e “hedge funds”) poderão soçobrar devido à inquietante situação de escassez de capitais?

Porque os indicadores não são animadores, as perspectivas sociais reduzidas e a incerteza grande, aqui ficam as dúvidas… as dúvidas que os “especialistas” do FMI e quejandos não querem ver porque talvez constituam, afinal, os seus verdadeiros objectivos.

terça-feira, 20 de março de 2012

PARAR OU IR ANDANDO?


Talvez hoje, a escassas 48 horas dum dia de Greve Geral, haja ainda quem equacione qual a atitude a tomar; decidir sobre a participação ou não numa greve não é coisa que se faça levianamente e ainda menos sem o conhecimento das razões e dos objectivos.


Os humoristas até poderão “brincar” um pouco com a questão, já dos comentadores políticos se deveria esperar (e exigir) outra atitude que não a de mera anuência ou crítica (mais ou menos assumida conforme a sua própria orientação política); evocar, como fez há dias Marcelo Rebelo de Sousa, a ideia da banalização da greve constitui além dum mau serviço um convite ao alheamento público das questões fundamentais do nosso próprio dia-a-dia. 

Alguém poderá negar a existência de profundas razões para que os assalariados deste país se manifestem contra a política laboral e salarial que o governo de Passos Coelho e Paulo Portas pretendem ver aplicada?

Será admissível que quando atravessamos, no dizer dos nossos governantes, uma grave crise que a todos exige esforços e sacrifícios assistamos à consagração da primazia e sacralidade de todos contratos – nomeadamente dos célebres contratos das PPP e demais garantias e salvaguardas empresariais – salvo os contratos de trabalho?

Depois da decisão unilateral de reduções salariais e demais cláusulas laborais (como férias, trabalho extraordinário, etc.) e da redução de pensões e outros benefícios sociais (como o subsídio de desemprego, precisamente quando ele era mais necessário para minimizar os efeitos do aumento do desemprego), quando se constata que já não é apenas a contratação colectiva o objecto do empenho reformista do actual governo mas que até já o próprio contrato social está em vias de se transformar numa mera memória difusa, ainda restarão dúvidas sobre a necessidade duma reacção e duma contestação a tudo isto?

A dúvida que verdadeiramente me assalta não se prende com as razões para a adesão à greve; a minha verdadeira dúvida é porque esta tardou e porque é traduzida em algo tão inócuo como um dia de paralisação? Os fundamentos desta greve, a destruição sistemática das melhorias sociais introduzidas pelo fim do Estado Novo, justificam bem um esforço maior e, ao contrário do que pretende Marcelo Rebelo de Sousa e parece sugerir a caricatura de Henrique Monteiro, ao invés de ir andando é por vezes preciso parar um país durante o tempo necessário para este pensar e tomar o melhor rumo.