sábado, 16 de junho de 2012

O SOFRIMENTO SÍRIO


Depois de ao longo da semana terem abundado notícias sobre as reacções políticas e financeiras ao anúncio do resgate espanhol, como a de que os «Custos disparam em leilão de obrigações em Itália», e num fim-de-semana em que todas as atenções europeias vão estar centradas nas eleições gregas poderá parecer estranho escolher como tema a situação na Síria, mas se recordarmos que na última reunião de ministros do Interior da União Europeia foi por estes decidido a aplicação de novas regras para a reposição temporária de fronteiras (ver aqui notícia sobre o assunto) e que uma das justificações foi a “frágil” fronteira entre a Grécia e a Turquia (país que faz fronteira directa com a conturbada Síria, talvez a atenção se justifique.

Tanto mais que nos últimos dias tem-se assistido a um constante desenrolar de notícias, comentários e declarações sobre uma situação que a imprensa ocidental não hesita em classificar como sanguinária, não havendo mesmo jornal que se preze que não inclua referências condenatórias à actuação do regime de Bashar Al-Assad, até quando o seu conteúdo é sobejamente controverso, como sucedeu no caso dum massacre atribuído ao exército por terem sido utilizadas armas pesadas quando no final são encontrados corpos com sinais de terem sido abatidos por armas ligeiras, ou quando se anuncia que ao lado dos opositores alinham operacionais da terrorista e perigosíssima Al-Qaeda.


Que as populações sírias sofrem os efeitos duma luta pelo poder, é inegável, mas talvez a verdadeira pergunta a fazer seja: quem está a comandar à distância essa luta?

E a resposta, pese embora a complicada situação política e social Síria, país maioritariamente sunita que há muito é dirigido por uma minoria alauita, deve ser encontrada no delicado equilíbrio geoestratégico duma região permanentemente escaldante como a do Médio Oriente. País fronteiro do Iraque, envolvido numa disputa com Israel pela região charneira dos Montes Golan[1] e apoiado pelo regime xiita iraniano, não será de estranhar que registe poucas, ou nenhumas, simpatias no Ocidente e talvez ainda menores juntos dos regimes wahabitas da Arábia Saudita, Kuwait e Qatar; mais difícil de explicar será o facto da generalidade dos meios de comunicação ocidental insistir na repetição da tese da diabolização do regime alauita enquanto silencia informação do teor da divulgada neste artigo da FOREIGN POLICY[2], assinado por James P. Rubin[3]

No artigo intitulado, «A verdadeira razão para intervir na Síria», James P. Rubin aponta para o interesse na desestabilização da influência iraniana na região, cortando-lhe nomeadamente o acesso ao Mediterrâneo, e na redução do apoio do Irão ao Hezbollah (o movimento libanês pró-xiita), estratégia na qual os EUA seriam apoiados pela vizinha Turquia e, claro, pelo importante aliado Israel, cujo recém-empossado vice-primeiro-ministro, Shaoul Mofaz, deixou aos microfones da radio do Exército israelita a clara mensagem de que «Israel reitera pedido de intervenção externa na Síria para travar “genocídio”».

Outros analistas, como é o caso do canadiano Michel Chossudovsky, apontam mesmo como principal objectivo a protecção de Israel, enquanto lembram que a sucessão de acontecimentos ocorridos na Síria e a cobertura mediática ocidental recordam em muitos pormenores antigos planos gizados pela CIA para a desestabilização da América Latina. 

Os dois pontos de vista, antagónicos na medida em que um é produzido por alguém do interior do sistema norte-americano enquanto o outro é oriundo do sector mais crítico para a estratégia unipolar norte-americana, acabam por coincidir numa questão central: os acontecimentos na Síria não passam duma manobra no contexto muito mais vasto da política de controlo e submissão do Médio Oriente, que, segundo Amin Hoteit – general libanês na resrva – a atestar pela notícia do teste dum «Protótipo de novo míssil balístico lançado do cosmódromo de Plesetsk» já estará a envolver a Rússia e a OCS (Organização de Cooperação de Shangai, que é o equivalente oriental da NATO) na crise.

Embora isso não elimine nem minore o sofrimento dos sírios, nem por isso deixa de constituir um importante aviso quando diariamente nos bombardeiam com imagens da região.


[1] Os Montes Golan são conhecidos pela sua importância militar mas igualmente pelo facto de serem um dos mais importantes reservatórios aquíferos da região (ver o “post” «CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ II».
[2] A FOREIGN POLICY é uma publicação norte-americana orientada para problemas de política internacional que contou entre os seus fundadores com Samuel P Huntington, o ideólogo neoliberal responsável pela introdução do conceito do choque das civilações.
[3] James P Rubin, conselheiro e jornalista, formado na Universidade de Columbia onde foi aluno de Zalmay Kalilzad (embaixador norte americano no Afeganistão durante a administração de George W Bush) e antigo membro da administração de Bill Clinton é actualmente o editor executivo da Bloomberg News.

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