quinta-feira, 30 de agosto de 2012

CONTESTAÇÃO E REPRESSÃO


Talvez nem todos se tenham dado conta, quando em meados deste mês alguns jornais nacionais e estrangeiros divulgaram que o Tribunal Constitucional Alemão tinha decidido favoravelmente que fosse o «Exército alemão autorizado a intervir internamente», que estavam a ser informados que a expectativa dos dirigentes políticos aponta para uma degradação da situação interna (naquele país e, por acréscimo e analogia, no resto da UE).

Ainda frescas na memória estão as consequências imediatas duma greve numa mina africana, despoletada por melhores salários e melhores condições de trabalho, que se saldou por manchetes como: «34 mineiros em greve abatidos pela polícia sul-africana», ou os confrontos que ocorreram em Madrid no final da Marcha Negra, iniciada pelos mineiros asturianos e que acabou por canalizar o vasto sentimento de desagrado duma população que sofre os efeitos duma taxa de desemprego próxima dos 25%[1].



É claro que a analogia entre mineiros espanhóis e sul-africanos é circunstancial, mas o facto de a pouco e pouco ir chegando ao conhecimento geral que a generalidade dos Estados estão a reforçar os seus aparelhos de vigilância e defesa e desta prática nem sequer ser recente (recorde-se o que escrevi em 2008 no “post” «LOUCAS… MAS ACEITÁVEIS!» sobre o reforço do corpo da Guarda Nacional norte-americana, para não falar já nas leis aprovadas a pretexto do combate ao terrorismo), não deve configurar motivo de alívio.

Os tempos que se avizinham dirão da pertinência e da justiça da observação, mas o facto é que a conjugação da degradação das condições de vida de camadas cada vez maiores das populações com o claro reforço dos mecanismos de repressão popular não deixa antever senão um aumento do risco de mais e maiores confrontos.


[1] Como se pôde ler nesta notícia do PUBLICO.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

RAPAZES TENHAM PACIÊNCIA… [1]


Ouvidas as declarações do conselheiro especial para as privatizações, António Borges, que afirmou perante as câmaras da TVI que o «Governo vai concessionar a RTP1 e fechar a RTP2», de pronto terá começado a circular nos meios habituais o apelo para que os Rapazes Tenham Paciência... calma, que o negócio vai ser chorudo!


Além de se ter ficado a saber que a «Oposição critica em bloco intenção do Governo de concessionar a RTP» e que na douta opinião do líder parlamentar do PSD a «Concessão da RTP a privados "é uma espécie de ovo de Colombo"», raciocínio apenas entendível por esta “solução” assegurar o pior dos cenário televisivos para o público. Sobre a forma como se pensa assegurar que a nobilíssima iniciativa privada cumpra as necessidades do serviço público (que o actual modelo da RTP cumpre sofrivelmente) ou sobre a eventualidade de reduzir os custos mediante a substituição do actual modelo público que segue os ditames e as conveniências das necessidades das empresas privadas de televisão, não se ouviu ainda uma palavra.

Pior, a total ausência de debate além de revelar a completa impreparação do actual governo para enfrentar a questão é igualmente sintomática de quem reduz todos os problemas aos ditames do deve e do haver contabilístico, ignorando (ou fingindo-o) a existência doutras realidades. Não bastando o facto de que «Quem ficar com a RTP terá um lucro garantido de 20 milhões de euros», pouco ou nada tem sido adiantado sobre o verdadeiro roubo que consistirá em entregar um inestimável arquivo videográfico ao arbítrio privado.

Quanto a silêncios, registe-se que foi preciso esperar quatro dias para ficarmos a saber, através dum comunicado, a posição da «Administração da RTP contra modelo de concessão», quando o mínimo exigível a quem foi nomeado para a realização dum serviço público seria a demissão em bloco dos membros daquele Conselho de Administração, numa manifestação de claro repúdio e de não pactuação com a política desenhada pelo Governo para a empresa e o sector de actividade.

A posição publicamente defendida por Marcelo Rebelo de Sousa (também perante as câmaras da TVI) de que a lei do concessionamento venha a ser fiscalizada pelo Tribunal Constitucional é uma pobre figura de estilo perante a enormidade que o governo de Passos Coelho se prepara para fazer. A enormidade é tal que nem um conhecido comentarista da área do PSD, Pedro Marques Lopes, hesitou em escrever no DN que estamos perante uma «…revolucionária solução em que o Estado cede uma estação de televisão e garante um lucro chorudo ao feliz contemplado que é pago com os impostos de todos nós. Genial. Não, não é bem uma PPP, é, para o investidor privado, muito melhor. Este fica com uma companhia com mais de cinquenta anos de vida, com um enorme prestígio, com um património tangível e intangível único e ainda lhe garantem uma rentabilidade que fará roer as unhas de inveja um qualquer concessionário de auto-estradas».

Quando tudo indica que o actual governo irá desferir mais um golpe na tão execrada iniciativa pública em claro e flagrante benefício da endeusada iniciativa privada (sem que lhe seja exigida a mínima explicação sobre a iniciativa), decisão que a beatífica recomendação de Marcelo Rebelo de Sousa para que a propriedade seja mantida em “mãos portuguesas” não belisca, poder-se-á falar em novidade depois de termos assistido à privatização de serviços tão indispensáveis como a produção e fornecimento de energia, as telecomunicações, o transporte rodoviário de passageiros e de estar na calha a privatização do abastecimento de água?

Mais do que nunca parece ajustado recordar o muito conhecido poema do pastor alemão Martin Niemoller (1892-1984):
«Quando os nazis levaram os comunistas, calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. / Quando prenderam os sociais-democratas, calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. / Quando levaram os sindicalistas, não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. / Quando levaram os judeus, não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. / Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse»
para lembrar que depois de privatizada a água restar-nos-á apenas o ar… e por pouco tempo!


[1] Forma alternativa para a leitura da sigla RTP, popularizada nos primeiros anos de emissão televisiva em Portugal quando as frequentes quebras de sinal eram compensadas com a exibição do logotipo acompanhado da frase: “Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos”.

sábado, 25 de agosto de 2012

DEFENDER OU NÃO O EURO


Confirmando o que há cerca de duas semanas escrevi no “post” «FIM DE VERÃO QUENTE» – que se conjugava nova tempestade sobre a Europa para Setembro ou Outubro –, eis que as primeiras reacções às notícias de que Antonis Samaras, o primeiro-ministro da «Grécia quer mais tempo para reformas estruturais» continuam sem prefigurar a concertação duma estratégia europeia na abordagem da proposta e assim aumentando as probabilidades de novos ataques especulativos.

Como se não bastasse a informação que diariamente vai dando conta da degradação da situação económica e financeira na UE, ou a publicação de bombásticos relatórios elaborados pelos reputados técnicos dos bancos “demasiado grandes para falirem” – como um do Citigroup assegurando que a «Probabilidade da Grécia sair da Zona Euro em Setembro está a aumentar» – que mais não fazem que constatar a realidade, eis que enquanto no início dum périplo pelas capitais dos principais credores o «PM grego pede mais tempo para adoptar reformas», a persistente intransigência do ministro alemão das finanças insistindo na ideia que a «Alemanha não vai dar mais tempo à Grécia» poderá explicar porque é que, quiçá em desespero de causa, o mesmo «Samaras acusa políticos europeus de criarem sentimento de insegurança nos investidores».


Enquanto as principais instâncias políticas europeias persistem na produção de declarações politicamente correctas mas completamente inócuas e desfasadas da realidade europeia, como aquela onde se pode ler que, Jean-Claude Juncker, o primeiro-ministro luxemburguês e «Presidente do Eurogrupo diz que extensão do plano grego depende da troika», enquanto os governantes das principais economias da Zona Euro «Hollande e Merkel pressionam Grécia a cumprir reformas» ou produzem afirmações como a de que «“Cabe aos gregos fazerem esforços responsáveis para se manterem na Zona Euro”», tudo indica que as elites políticas continuam sem revelar capacidade para enfrentar o problema e deixam deteriorar a situação política e económica; com o dia-a-dia dos cidadãos europeus a degradar-se a olhos vistos e sem vislumbre de melhoria, faz cada vez mais sentido a afirmação produzida pelo ex-economista-chefe do FMI, o americano Kenneth Rogoff, de que a «Europa tem de decidir se quer romper com o euro» e em caso negativo, acrescento eu, assumir a opção cada vez mais premente de alterar o modelo de financiamento dos Estados, permitindo que este se faça directamente através do BCE.

A desorientação atinge proporções preocupantes, pois não são apenas os responsáveis pela condução política que parecem catatónicos; eleitos ou não (como é o caso dos membros da nomenclatura europeia), com maiores ou menores limitações e capacidades oratórias diversas, alternam entre uma quase apatia (como parece ser actualmente os casos de Durão Barroso e Van Rompuy) e uma inesgotável loquacidade (como é o caso do já citado Juncker que depois de ter afirmado no início do mês que «Saída da Grécia do euro “seria gerível”», afirma agora um categórico «“Calem-se!”, … aos que pedem a saída da Grécia do euro»). O clima de desorientação, agravado pelas recentes declarações do mesmo Juncker e de Merkel de que «Decisões sobre a Grécia só em Outubro», alimenta a tendência especulativa e permite até que um organismo como uma agência de notação de risco, a Standard & Poor’s, (quase seguramente conhecedora por antecipação que «Espanha estará a negociar resgate total e não só à banca») produza a afirmação de que «Se Espanha pedir resgate completo, rating não baixa», sem que daqueles mesmos poderes públicos se erga qualquer reparo ou crítica pelo facto desta “opinião” extravasar as funções da agência e constituir uma descarada forma de influência sobre os decisores políticos, mesmo sobre os que comprovadamente se colocam ao serviço dos interesses financeiros internacionais.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

E SE FOR ACEITE?


Diz o aforismo popular que de poetas e loucos todos temos um pouco, juízo que há muito se aplica cabalmente ao inefável (e imutável) presidente do Governo Regional da Madeira. Se é certo que não se lhe conhece veia poética, não é menos verdade que tem sido prolífero em tiradas e outras boutades – quem não se lembra da forma rasca como do Funchal vituperou o “Sr. Silva” para depois o acompanhar, bajuladoramente, numa campanha presidencial, ou das habituais provocações e insultos com que mimoseia os que se não vergam aos seus ditames – com que deixará assinalada a sua governação; Alberto João e o agora amigo do peito “Sr.Silva” são dois lídimos representantes dos eucaliptos que tudo secam à sua volta.


No culminar de décadas dum modelo de governação assente na realização de grandes obras públicas financiadas a expensas de sucessivos défices (regulamente perdoados pelos correligionários, ou não, que têm governado o país), com a região agora mergulhada no maior défice de que há memória – seis mil milhões nas contas do Governo ou oito mil milhões na opinião da oposição – será razão de acrescido espanto voltar a ouvir insistentes referências ao renascimento do separatismo que marcou o período que se seguiu ao 25 de Abril?

É que ouvir dizer que «Jardim desafia Estado português a realizar referendo na Madeira sobre a autonomia» soa a um desgastado “déjà vu” e não passa de mais uma bravata dalguém que sentindo-se na beira do precipício ameaça saltar levando consigo quem o tenta salvar. Mas o populismo dos albertos joões jardins da vida caracteriza-se precisamente pela inconstância, o manobrismo e a permanente chantagem que exercem sobre quem os rodeia. Correligionários e opositores são manobrados no sentido da exclusiva satisfação dos interesses conjunturais, onde o bem-estar dos governados é a menor e a última das suas preocupações

Embora o risco do repto vir a ser aceite seja nula, sempre gostaria de ver a reacção no caso dum referendo nacional (o único que faz verdadeiro sentido, pois a questão pode bem ser colocada de forma comutativa) favorável à autonomia; que o resultado poderia bem ser esse é atestado pela forma cuidadosa e clara como se refere que «Jardim desafia Estado a permitir referendo regional sobre autonomia», pois não me parece em condições, nem em estado de declarada loucura, para arriscar um referendo onde a maioria dos portugueses (ilhéus e continentais) se pudesse pronunciar por uma separação que o privaria dos meios de financiamento que lhe têm assegurado a clientela política e a perpetuação no poder.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A INFORMAÇÃO QUE NOS “DÃO”


Foi-nos dado ler hoje nas páginas internet das publicações nacionais DIÁRIO DE NOTÍCIAS e DINHEIRO VIVO notícias que versam sobre a recente publicação pelo INE dos dados sobre a actividade económica.


A origem da referência não é tanto o facto das duas publicações (ambas do universo empresarial CONTROLINVESTE, onde pontifica Joaquim Oliveira, o fundador e ainda proprietário da OLIVEDESPORTOS) apresentarem o mesmo texto (mais desenvolvido no caso da segunda) sob diferentes títulos, antes o facto da simples leitura destes prefigurar informação antagónica; é que enquanto ao DN titula que «Actividade económica melhora pela 1.ª vez desde 2010», sugerindo uma melhoria/crescimento da actividade económica, o DINHEIRO VIVO optou por escrever que a «Queda da actividade económica abranda pela primeira vez desde 2010», traduzindo na essência o teor das conclusões do INE e do próprio texto que apresenta.

Esta discrepância, de modo algum irrelevante quando é bem conhecido o facto de muitos leitores se ficarem pelos títulos, é tanto mais criticável quanto o DN pretende manter o estatuto de órgão de informação de referência e o DINHEIRO VIVO, além da sua página “on-line” se resume a um suplemento semanal de natureza exclusivamente económica do primeiro.

Em jeito de conclusão bem se pode afirmar que este episódio (menor) constitui um interessante exemplo da informação que diariamente circula pelo Mundo…

sábado, 18 de agosto de 2012

A ASCENSÃO DUMA CERTA ELITE FINANCEIRA


Recordando o resultado dum recente relatório da TAX JUSTICE NETWORK referido no post” «SUPER RICOS», no qual James Henry relata que apurou que uma minoria de super-ricos “esconde” um mínimo de 17 biliões de euros em paraísos fiscais (apenas em activos financeiros, pois o estudo não contabilizou imóveis nem outros bens móveis como metais preciosos, jóias, viaturas, barcos, aviões e cavalos de corrida) –, cruzando-o com dados da Comissão Especial da ONU para a Lavagem de Dinheiro (citada aqui por James Petras) que assegura que os bancos norte-americanos e europeus lavam anualmente cerca de 300 mil milhões de dólares e com as recentes notícias sobre a reiterada prática bancária de manipulação da LIBOR pelo banco britânico Barclay’s (mais tarde reforçado pela informação que o «Deutsche Bank admite envolvimento de funcionários no caso da manipulação da Libor» e agora confirmada pela notícia de que foram «Sete bancos intimados no caso da Libor», incluindo o JP Morgan, o Royal Bank of Scotland e a UBS), bem se pode afirmar que algo de muito grave grassa entre a elite financeira mundial.


Não bastando as consequências já conhecidas da crise do “subprime” e da óbvia responsabilidade dos gigantes financeiros na crise de liquidez bancária que se lhe seguiu, nem os resgates públicos de boa parte do sistema financeiro mundial, nem o constante anúncio de mais e mais fraudes detectadas no sector parece estar a gerar uma adequada reacção do sector político que tarda em implementar as medidas que se imporiam para reduzir/eliminar aqueles efeitos.

Uma vez que vários têm sido os técnicos e especialistas a avançar com propostas de intervenção – desde a proibição de práticas como a venda de títulos a descoberto (“short-selling”), uma regulamentação mais restritiva dos mercados de produtos derivados, a proibição dos “offshores” e o regresso do poder de criação de moeda à esfera pública – a inércia do poder político apenas pode ser explicada pelo enfeudamento dos seus titulares aos interesses particulares do sector financeiro.

Sector onde têm campeado uma plêiade de figuras e figurões bem reveladora dos reduzidos princípios éticos que originaram «Cinco anos de escândalos na elite da banca mundial» e que prometem continuar a trilhar a mesma senda.

Curioso é que na actualidade as vozes que se vão erguendo contra este estado das coisas e a permanente ideia de fazer prevalecer os interesses do sector financeiro integra já personalidades cada vez mais improváveis, como Daria Zahkarova, chefe da missão do FMI para a Islândia, que foi citada pela Bloomberg (e repetida aqui pelo JORNAL DE NEGÓCIOS) como tendo dito que uma das razões para o sucesso da recuperação da economia islandesa foi «…a decisão de imputar as perdas aos obrigacionistas e não aos contribuintes, de manter blindado o sistema social e de protecção aos desempregados…», precisamente o inverso do que se insiste em praticar na UE.

Quando até já se afirma publicamente que «Para o FMI, o resgate ao estilo islandês é uma lição a reter em tempos de crise», continua a aplicar-se entre nós a receita da “austeridade expansionista” sob o mais que comprovadamente falso argumento da inexistência de alternativa.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A LIBERDADE DO ESPANTALHO


A passagem de mais um aniversário dum episódio marcante na História ibérica – não tivessem os castelhanos sido derrotados em Aljubarrota e quiçá a iniciativa de expansão marítima europeia teria sofrido um significativo atraso enquanto a ausência do ouro sul-americano teria inviabilizado financeiramente o império erguido por Carlos V – pode constituir um boa oportunidade para reflexão sobre as actuais necessidades de defesa. Isso mesmo fizeram ontem Adriano Moreira e Viriato Soromenho-Marques nas páginas do DN; de forma mais directa (Soromenho-Marques em «Sessenta minutos») ou indirecta (Adriano Moreira em «A prontidão da defesa») pretenderão ambos alertar para a necessidade de discussão dum tema habitualmente malquisto da classe política nacional e europeia, mas que, como tantos hoje banidos do debate de ideias, se reveste de capital importância, porque questões como a defesa não podem ser delegadas em espantalhos.


A realidade mundial (e em particular a sucessão de acontecimentos, designados por Primavera Árabe, na zona do Mediterrâneo onde no situamos) mais do que justifica uma clara definição do papel e das capacidades com que cada estado entende dotar o seu aparelho de defesa; mesmo deixando para outra oportunidade o debate sobre o papel da Europa (leia-se uma União Europeia resultante da vontade dos povos e organizada para sua defesa e progresso) num sistema de alianças militares ditado pela realidade dum pós-guerra ultrapassado, poucos poderão conscientemente refutar a necessidade duma verdadeira estrutura militar que, assegurando a defesa da UE alcance igualmente a capacidade de projectar força nos cenários que o justifiquem.

Já escrevi em anteriores ocasiões (nomeadamente em Dezembro de 2011 no “post” «OS DEZ PROBLEMAS DO EURO» ou mais remotamente em Novembro de 2006 no “post” «O SMO, A UNIÃO EUROPEIA E PORTUGAL (onde nos pode levar um simples texto de Vasco Graça Moura)») a importância que atribuo à formação dum exército único europeu, quer do ponto de vista político-militar quer do ponto de vista económico, questão que na actual conjuntura adquire maior premência, pois num momento em que é real a pressão para a contenção dos gastos públicos nada melhor que o recurso às economias de escala que uma solução militar do tipo federal pode proporcionar para garantir ao conjunto dos intervenientes as capacidades que isoladamente não poderiam alcançar, a menos que o real objectivo dos poderes instalados inclua precisamente a desistência das liberdades…

sábado, 11 de agosto de 2012

FIM DE VERÃO QUENTE


Será de estranhar que ao longo da semana tenhamos lido notícias como «Recessão em Itália agravou-se no segundo trimestre», «Itália encolhe há um ano e Alemanha trava a fundo» ou «Banco de Inglaterra baixa previsão de crescimento da economia», quando ainda temos bem presente o completo “flop” que foi a última reunião do BCE, a ponto do ECONÓMICO ter escrito sem pejo que «Investidores desapontados penalizam acções e procuram refúgio»?

Pior que uma quase total ausência de decisões – o BCE e o seu presidente Mario Draghi quedaram-se por mais um anódino enunciado de ideias, prontamente contrariadas por declarações de responsáveis alemães – foi a constatação que algumas possíveis boas intenções continuarão a esbarrar na persistente recusa alemã, mesmo quando a iniciativa sugerida pelo BCE não deverá passar duma intervenção no mercado secundário da dívida pública ao invés da que a lógica e a adequada gestão do mecanismo de financiamento público impunham e qua há muito aqui venho propondo – o financiamento directo junto do BCE.

Quando se revela cada vez mais difícil escamotear o facto da Zona Euro atravessar uma conjuntura especialmente perigosa e quando a incapacidade das suas estruturas é tanto mais evidente quanto até «Cavaco Silva desafia BCE a comprar já dívida pública de Portugal e Irlanda», é expectável que esta crise venha a conhecer alguma inversão nos tempos mais próximos?


Será pois estranho, quando nos lembramos que atravessamos a tradicional época de férias e que para muito breve teremos na ainda maior economia mundial a publicação dos resultados do ano (nos EUA o ano comercial inicia-se e conclui-se em Setembro) e o acelerar duma campanha eleitoral interna, conjuntura onde qualquer natural “arrefecimento” da economia ou o “aquecimento” duma variável tão sensível como o desemprego poderá originar ondas de choque que uma vez mais a UE não conseguirá controlar, antever a forte probabilidade de ocorrência de novos fenómenos nos próximos meses, algo ainda mais concreto depois do anúncio que «Espanha espera por Setembro para decidir se pede ajuda»?

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

PELAS COSTAS DOS OUTROS…


Múltiplas são as notícias que vão confirmando a ideia que a crise global além de longe de resolvida já se estende aos mais diversos níveis da economia e se a notícia da falência de empresas e famílias já não constitui qualquer novidade, se a falência de autarquias começa a ser normal, que dizer das descrições que chegam sobre a situação dalgumas destas e das imagens de abandono e desolação que as acompanham.


Isto mesmo foi relatado há dias por Armelle Vincent, correspondente em Los Angeles do jornal francês LE FIGARO, num artigo só disponível para assinantes, mas que a página INTÉRÊT GÉNÉRAL publicou aqui e a cuja tradução me abalancei:

«Estados Unidos: San Bernardino, cidade californiana à beira da falência

por Armelle Vincent

A agonia de San Bernardino é visível desde a saída da auto-estrada. Deixaram-se crescer as ervas daninhas pelo asfalto nas bermas; à falta de poda regular os ramos secos das palmeiras pendem miseravelmente, metade do centro comercial Inland Center está fechado e rodeado por um parque de estacionamento a caminho duma lenta decadência; cartazes anunciando o arrendamento sucedem-se nos espaços desertos. O centro da cidade está, por assim dizer, morto, com ruas inteiras de lojas, boutiques, restaurantes e cafés abandonados, as montras cobertas com papel sujo ou contraplacado.

«Não tenha medo, não lhe quero fazer mal», diz um latino tatuado que acaba por se enfiar por uma rua que já foi comercial, agora deserta, mudando a sua camisa. «Por quê? Era caso para ter medo? No entanto, estamos a poucos passos da Câmara Municipal.» «Não interessa, responde ele. Bem vê que o centro está completamente delapidado e abandonado. Não podemos nem mesmo comprar um cachorro-quente. Mas sabe o pior? Habituamo-nos». Numa das poucas lojas ainda aberta na Rua F, uma empoeirada loja de penhores especializada em moedas e pratas, um homem na casa dos vinte, mochila puída ao ombro, acaba de entrar para vender uma harmónica. Por razões de higiene, o comerciante, Bud Ammons, recusa-se a comprá-la. O jovem sai desanimado. «O que é que quer... diz Bud Ammons, somos governados por criminosos e os piores estão na Califórnia. Os promotores inflacionaram os preços dos imóveis, o governo deixou-os actuar e agora que a bolha estourou, olhe onde chegámos. A cidade não tem rendimentos. É um desastre». San Bernardino é a quarta cidade da Califórnia a pedir falência, depois de Vallejo, Stockton e Mammoth Lakes. Compton deve seguir em breve. «E isto é apenas o começo», diz um funcionário camarário, parando na praça do Município vazia. «Não há muito tempo atrás, disse ele, apontando para uma passarela que liga a esplanada ao Carousel Mall, o centro comercial atraía tantas pessoas que era preciso estacionar a 1 km.» Não há mais de duas lojas abertas no enorme centro comercial de três andares, que a cidade vai mantendo em boas condições depois duma escola particular se ter instalado no andar térreo.

Assim, os sinais de falência estão por todo lado nesta cidade de 210.000 habitantes, construída no sopé da Sierra Nevada, cadeia de montanhas perpetuamente envolta pela poluição que rodeia o vale de Los Angeles. A capital do cinema dista 100 quilómetros para oeste e a única indicação da proximidade geográfica e cultural das duas cidades é, provavelmente um velho cartaz publicitário anunciando um concerto dirigido por Carlo Ponti Jr, filho de Sophia Loren, que, até Maio de 2012, foi o maestro da Filarmónica de San Bernardino. Ao longo das últimas duas décadas, a cidade perdeu cerca de 86.000 postos de trabalho: a base da Força Aérea e a fábrica Kaiser Steal fecharam. Os caminhos-de-ferro de Santa Fé mudaram-se. Como no resto do país, os preços das casas subiram nos anos 1990 e 2000 e caíram a partir de 2008, resultando numa série catastrófica de falências. Quanto às receitas do IVA, continuam a declinar 10 a 16 milhões de dólares por ano. Resultado: San Bernardino enfrenta um défice orçamental de 45,8 milhões dólares e já não tem recursos para pagar nem aos empregados, nem aos fornecedores, que começaram a exigir o pagamento dos seus serviços em dinheiro. Em caixa existem apenas 150.000 dólares em dinheiro, enquanto se vence no final do mês um empréstimo de 3,4 milhões de dólares em títulos de poupança-reforma. Gerri Franske, 62, está exasperada: «A cidade é governada por incompetentes. O meu cão teria feito um trabalho melhor do que essas pessoas», diz a irritada funcionária municipal. «Veja ao que cheguei depois de dezoito anos de trabalho na direcção de urbanismo.» Nos últimos três anos, Gerri viu o seu salário reduzir-se em 30%. Pensava trabalhar mais três anos até à reforma, mas acaba de se demitir para não arriscar perder, em caso de falência, a parte da pensão de reforma paga pela prefeitura. «Vi quantidades astronómicas de dinheiro a passar pela direcção de urbanismo. Comissões de vários milhões de dólares. Onde foi parar esse dinheiro?», questiona-se ela. Alguns desses milhões foram usados para renovar o cinema do centro, cuja fachada nova e brilhante contrasta fortemente com os prédios abandonados que o cercam. «O cinema já fechou uma vez devido à falta de clientes, há dois anos, explica Gerri. Ninguém lá vai, vai voltar a fechar e o nosso dinheiro foi lá enterrado para nada.»

Para relançar a economia, um grupo de moradores promoveu o lançamento dum aeroporto internacional à imagem do de Burbank, no Ontário. Mas dado o aviso de cancelamento de várias reuniões organizadas em torno do projecto, afixado no pátio da Câmara Municipal, duvida-se que venha a ver a luz do dia. Bud Ammons, o comerciante tem uma solução muito simples, mas difícil de aplicar: ele queria convencer os seus concidadãos a desembolsarem 250 dólares mensais para a cidade amortizar o seu défice. «Calculei que não levaria muito tempo para repor o equilíbrio dos fundos, mas no meio desta crise, quem tem meios para o fazer? Talvez se cada um contribuísse com o que pudesse.» Mas que irá confiar numa cidade onde o procurador-geral acaba de revelar que os seus gestores falsificaram treze dos últimos dezasseis orçamentos para encobrir o seu défice ao Conselho Municipal?»

do qual destaco o quadro de absoluta incompreensão e revolta que os entrevistados não conseguem esconder. Isto mais de três anos após as primeiras notícias sobre a dramática situação dalgumas comunidades nos EUA, que abordei no “post” «ASSIM VAI A AMÉRICA…», e que bem justificam a atenção de todos, pois como lembra o ditado popular: “pelas costas dos outros, vemos as nossas”.

sábado, 4 de agosto de 2012

OS SIMPLES


O discurso político, em especial o do círculo do poder, tem vindo a assumir contornos crescentemente preocupantes. Algumas das mais recentes afirmações de primeiro-ministro Passos Coelho assumem mesmo foros inadmissíveis.

Seja em que contexto for, incluindo uma mera reunião partidária, nenhum político responsável pode produzir afirmações como «Que se lixem as eleições» sem esperar originar inevitáveis “ondas de choque”. 


De imediato houve quem retirasse a ilação de que a afirmação mais não era que um evidente aviltamento da prática democrática. Talvez menos perigosa que a proposta de suspensão temporária da democracia, em tempos sugerida pela anterior líder do PSD (assim confirmando a decrescente qualidade dos políticos), nem por isso deixa de justificar alguma apreciação, tanto mais que, comentando as suas mais que suspeitas orientações programáticas, assegura que «“Vamos vencer. As pessoas simples percebem” o que o Governo está a fazer».

Este tipo de convicção, que roça uma concepção messiânica (na linha, ou não, da sugerida por Ricardo Araújo Pereira em «Salvar Portugal à bruta»), afigura-se bem mais preocupante pelos profundos laivos do pior que a práxis salazarenta produziu. Os simples (de espírito e de vontade) sempre foram de fácil apascentação e, agora que os tempos estão difíceis e austeros, nada melhor que evocar os mesmos valores que tão bons resultados deram na subjugação feudal dos servos da gleba, mesmo que isso contrarie a sua tão apregoada intenção de cortar com o passado.

As origens programáticas de Passos Coelhos e seus sequazes, a par com o fero dogmatismo com que têm vindo a aplicar um programa de empobrecimento nacional, alimentam as mais fundadas dúvidas sobre o verdadeiro alcance dos “simples” a que se refere, tanto mais que os “outros” são liminarmente englobados no grupo dos críticos que, ou muito me engano, em breve serão apodados de cripto-comunistas.
Passos Coelho já começa a evidenciar sinais de desespero perante a evolução da conjuntura e parece preparar uma saída para o fracasso que, a avaliar pela análise do sempre bem informado Marcelo Rebelo de Sousa, poderá passar por não se recandidatar a um segundo mandato.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

SILLY SEASON À AMERICANA


Tal como os Jogos Olímpicos se tornaram na actualidade um fenómeno quadrienal recorrente, também na fase marcadamente imperial as eleições norte-americanas passaram a integrar um périplo externo onde os candidatos tentam exibir os seus talentos internacionais, mesmo que este se destine a mero consumo interno. Isso mesmo acabou de fazer o candidato republicano, Mitt Romney, com os resultados conhecidos.


Não contente com os infelizes comentários onde «Mitt Romney critica organização dos Jogos» Olímpicos, o candidato excedeu-se, revelando uma inusitada capacidade para proferir alarvidade atrás de alarvidade, culminando com a enormidade de afirmar que «o sucesso de Israel deve-se à “mão da providência”» ou, à revelia do direito internacional e como antes já o fizera Obama, que «Jerusalém é a capital de Israel».

Graças a estas e outras declarações – como a que proferiu em reacção à mais recente mortandade registada nos EUA, defendendo que «endurecer leis sobre armas não é solução» – Romney espera conquistar o eleitorado mais conservador e os importantes votos da comunidade judaica (e o não menos importante apoio financeiro), ainda que a primeira reacção conhecida tenha sido a de que a «Palestina acusa Romney de comentários racistas e odiosos»

Enquanto ficamos a saber que «Romney despede-se da Europa com mais uma gaffe» (o último alvo foi a Rússia), resta concluir que ao que tudo indica, e repetindo a história recente, os americanos correm o risco de voltar a sentar na Sala Oval uma reedição de George W Bush!