terça-feira, 26 de março de 2013

SINAIS DE CHIPRE


Enquanto na Casa Branca eram dados os últimos retoques na visita oficial a Israel do presidente Obama, eclodia no Mediterrâneo Oriental, bem próximo daquele país, novo episódio na já longa crise que atravessa a Zona Euro.

Depois dos acontecimentos de 2009 na vizinha Grécia, que ditaram um primeiro resgate e a aplicação da tradicional receita austeritária, a qual resultou na confirmação dos piores receios e teve que ser seguido em 2012 dum segundo resgate, de mais medidas de austeridade (não há como insistir em políticas comprovadamente falhadas para assegurar o fracasso final) e dum plano de perdão parcial da dívida acumulada, eis que um dos seus efeitos faz-se sentir agora na vizinha economia cipriota cujo sistema financeiro foi fortemente abalado pelo perdão acordado à Grécia.


Num pequeno território – dividido desde 1974 por uma disputa territorial com a também vizinha Turquia – com uma economia particularmente débil, geradora dum PIB de 18 mil milhões de euros, tem no turismo e num sistema financeiro fortemente alavancado as suas principais actividades – que fruto de legislação particularmente atractiva cresceu, ao que se diz à custa de elevados depósitos oriundos da Rússia, do Médio Oriente e do reino Unido, até equivaler cerca de 7 vezes aquele PIB –, exposto à especulação imobiliária e à dívida pública grega cujo abalo valeram a ameaça de colapso do seu sistema financeiro.

Perante a catástrofe e para socorrer os seus bancos, o governo cipriota pediu a ajuda a uma UE que, convicta do seu papel moralizador e sob o argumento de que a economia cipriota prosperou graças a um enorme esquema de lavagem de dinheiro russo e árabe (situação que em 2004 não condicionou a sua adesão à UE), respondeu através do Ecofin condicionando o resgate a um máximo de 10 mil milhões de euros e à imposição duma taxa sobre os depósitos bancários.

Reagindo em defesa dos pequenos depositantes (ou usando-os como pretexto) o parlamento cipriota recusou o acordo e novamente a UE recorreu a uma estratégia de chantagem, quando o «BCE lança "ultimato" a Chipre», confirmada uns dias mais tarde quando «Merkel avisa Chipre para não por à prova a paciência da troika». Mesmo agora, quando o «Eurogrupo aprova plano da troika que evita bancarrota de Chipre», numa versão mais orientada para a reestruturação do sector bancário (comprovando mais uma vez onde se situa a verdadeira origem da crise), garantindo a protecção dos depósitos até 100 mil euros (conforme as normas comunitárias) mas, novidade, impondo alguma penalização aos accionistas dos bancos (ver os «Oito pontos do acordo que garante o resgate do Chipre»), pode com esta decisão ter aberto um perigoso precedente e transformar-se facilmente num primeiro passo para a desagregação do projecto europeu.

Não bastando os preocupantes sinais de erosão do projecto europeu e na ausência de qualquer definição geoestratégica da UE, assiste-se a um jogo bem mais complicado do que nos querem revelar, pois enquanto num tabuleiro se desenrolava a meada tecida numa catastrófica reunião de ministros das finanças, jogava-se noutro, com a intervenção mais ou menos directa de Moscovo, uma parada bem mais elevada. E embora não tenha tardado a notícia de que a «Rússia recusa emprestar mais dinheiro a Nicósia», nem por isso deixou de se ouvir que a «Rússia lança ataques à UE por causa da crise no Chipre», fazendo crer na possibilidade de intervenção dum novo jogador, tanto mais possível quanto são conhecidos dois importantes factos na região: a existência de importantes jazidas de gás natural nas águas territoriais cipriotas (facto já abordado no «post» «ASSALTO CIPRIOTA») e uma possível alteração da geopolítica local que determine o encerramento da base naval mediterrânica que os russos mantêm em Tartus (Síria).

De forma ambígua e no auge da crise foi noticiado pelo EXPRESSO que Durão Barroso assegurou que «UE vai ouvir e ter em consideração preocupações russas»; enquanto aguardamos para conhecer outros pormenores, a mesma fonte indicia que tal estará a ser cumprido quando noticia que «Afinal os russos podem ajudar Chipre», mesmo que para já apenas se refira uma possível revisão das condições de antigos financiamentos e se desconheçam outras contrapartidas.

Em resumo bem se pode afirmar que o cenário europeu está aberto ao mais imprevisível dos desenvolvimentos, situação que partilha afinal com o vizinho Médio Oriente.

Sem comentários: