domingo, 28 de abril de 2013

ALDEIA À VENDA


Conhecidos nos últimos dias os mais contraditórios discursos sobre as realidades portuguesa e europeia – com particular destaque para a proposta de capitulação que constituiu o discurso proferido pelo Presidente da República na Sessão Comemorativa do 25 de Abril e a oposta, apresentada num comício no Fórum Lisboa, onde o «Líder da esquerda radical grega defende "nova primavera" dos povos europeus» e quando até entre os mais activos defensores das virtualidades das políticas de austeridade expansionista já se começam a notar algumas dúvidas, será oportuno relembrar que a crise que a UE atravessa integra na sua génese factores de natureza social e que a desagregação da coesão social construída nas últimas décadas poderá estar já irremediavelmente comprometida.

Este alerta foi deixado há meses por Boaventura Sousa Santos numa entrevista ao ECONÓMICO e se hoje o retomo é porque aquelas leituras me conduziram à releitura duma notícia recente sobre a existência em Espanha de «Aldeias à venda pelo preço de um apartamento na cidade» passou quase despercebida no afã noticioso dos contactos entre Governo e PS e de mais uma visita da “troika”, mas traduz um claro sinal do ponto a que pode chegar a desagregação dum país.


Mal irá qualquer Estado quando o património cultural e social, como aldeias ou lugares, começa a ser vendido à melhor oferta e pior ainda quando os compradores são maioritariamente originários doutras culturas.

Relembrando que a questão aqui não é a recusa do estrangeiro mas a do risco de aculturação e de destruição total de memórias colectivas e de afectos sociais que não podem senão empobrecer toda a sociedade.

Este fenómeno irá seguramente alastrar num país trespassado pelo desemprego e ao qual são negadas as mais básicas perspectivas de progresso e se entre nós há muito se fala nas propriedade agrícolas que por esse país fora vão sendo vendidas a estrangeiros, não tardará que também venhamos a assistir àquele fenómeno ou não vivêssemos todos na aldeia global da desesperança colectiva.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

NO DIA DOS CRAVOS


Na data em que se assinala mais um aniversário do início da Revolução de Abril e numa fase em que tanto se tenta destruir algo do que melhor nos foi então proporcionado – o orgulho de havermos regressado à História , Soromenho-Marques brindou-nos na edição de hoje do DN com mais uma das sua excelentes crónicas, cuja leitura recomendo vivamente.

Partindo duma explicada «Vocação para o sacrifício» - um sacrifício messiânico ou ascético mas antes um sacrifício social e assumido como desígnio libertador e popular – Soromenho-Marques estabelece a quem o queira ler com atenção um claro e assumido paralelismo com a situação actual.
Se eu tivesse sido capaz de sintetizar tão bem essa ideia apenas teria acrescentado um outro pormenor da nossa história – a Revolução de 1383 – que além de ter assegurado a independência face ao militarista reino de Castela deu ainda origem a uma nova dinastia que consagraria uns anos depois o início do movimento expansionista comercial em direcção aos continentes africano e asiático.

Um texto que merece ficar cravado na memória colectiva e que, repito, merece ser lido e objecto de reflexão e de debate.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

ATRÁS DOS TEMPOS VÊM TEMPOS


Os tempos poderão não andar de feição para grandes comemorações e os espíritos pouco dispostos a grandes festas, mas tudo isso são afinal razões de sobra para celebrarmos o espírito do 25 de Abril e não apenas na data de calendário mas todos os dias.

Aliás, lembrar os tempos em que um Povo saiu à rua para exigir uma Liberdade que por direito sempre lhe pertenceu, será talvez a melhor panaceia aos que insistem em mergulhar-nos numa nebulosa crise para a qual a esmagadora maioria dos portugueses pouco ou nada contribuiu, mas em que insistem sejamos nós a pagar a factura.

Há talvez muito tempo que não faz tanto sentido lembrar (e aplicar) uma das palavras de ordem mais gritada em 74; agora como então «O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO» e a prova disso (e do crescente terror que os fautores das políticas neoliberais dele sentem) é que a imprensa nacional já deixa entrever alguns desses temores quando dá voz a um circunspecto banqueiro que assegura que «A austeridade é violenta e está a chegar ao limite» (embora Ricardo Salgado o tenha feito no contexto do reajustamento orçamental, a mensagem subliminar está lá bem presente), ao presidente do Conselho Económico e Social quando diz que «receia que medidas do Governo deixem economia “esfrangalhada”» ou replica a afirmação do presidente da Comissão Europeia «Durão Barroso admite que “austeridade atingiu o seus limites”». Basta recordar algumas das notícias e dos comentários que prontamente se sucederam às grandes manifestações populares que tiveram lugar nos últimos meses para compreender que em boa medida a solução para este nosso mal viver começará a ser construída a partir do momento que os cidadãos transformem as ruas do País nos caudais do seu descontentamento.


Atrás de tempos vêm tempos e quando quase tudo parece perdido resta fazer sair à rua a dignidade dum Povo contra a indignidade duma minoria que age declaradamente contra os interesses da maioria, tanto mais que, como diz o poeta (Fausto Bordalo Dias), “quem canta sempre se levanta / calados é que podemos cair”.

sábado, 20 de abril de 2013

ACONTECE…


O já tantas vezes referido desacerto entre a teoria e a realidade verificado nas projecções macroeconómicas efectuadas pelos “técnicos” que têm determinado o duro viver de milhões de europeus, voltou a ser notícia esta semana quando o NEGÓCIOS divulgou que «Académicos terão descoberto erro na fórmula de um estudo que sustenta políticas de austeridade».

Depois dos reconhecidos “erros” cometidos pelo FMI (ver o “post” «OFICIAIS E POPULARES»), foi agora divulgado que o famoso estudo de 2010, assinado por dois economistas norte-americanos (Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart) e publicado pelo National Bureau of Economic Research sob o título de «Growth in a Time of Debt», terá reduzido o universo dos dados observados, sem outra explicação que um elementar erro de manuseio duma folha de cálculo, e recorrido a métodos de cálculo pouco convencionais no processo que conduziu à conclusão da existência duma forte correlação entre elevadas dívidas públicas e reduzido crescimento económico.

A conclusão de que o elevado endividamento público está na origem do fraco crescimento económico tem servido de argumento aos defensores das políticas de austeridade que grassam por essa Europa fora, pese embora outros investigadores terem questionado desde a primeira hora a validade da asserção, interrogando-se se não seria o fraco desempenho das economias a condicionar o aumento do endividamento.

Duma forma, ou da outra, a verdadeira importância do novo estudo (da autoria de três economistas da Universidade de Massachusetts, Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin) não resulta apenas da refutação das conclusões iniciais de Rogoff e Reinhart, mas principalmente por revelar o recurso abusivo a conclusões politicamente “agradáveis”.
Acontece que depois de publicada a contestação e da fraca réplica de Reinhart e Rogoff (pouco mais fizeram que reafirmar dogmaticamente a validade da conclusão inicial) todas as dúvidas ganham novo peso.
Inegável é que agora que o mundo académico assiste a mais um duelo Harvard-Massachusetts, enquanto o mundo real (aquele onde se debatem pessoas reais) soçobra mergulhado num problema que talvez não exista…


…mas esperem lá, quantos não andamos há anos a dizê-lo?

quarta-feira, 17 de abril de 2013

MARATONA SANGRENTA


No dia em que a perigosa Coreia do Norte celebrava o 101º aniversário do nascimento de Kim Il-sung, o fundador e “líder eterno” da república norte-coreana, e em que a vizinha Coreia do Sul e o Japão esperavam a ocorrência de mais um ensaio balístico e/ou nuclear, acabou por ser a pacífica cidade norte-americana de Boston o palco do acontecimento mais bombástico.

Local onde se realizava a tradicional Maratona anual (prova centenária que se realiza desde 1897, celebrando o Dia do Patriota, efeméride ligada ao início da revolução norte-americana contra o domínio inglês) que este ano ficou marcada pelas explosões ocorridas na zona da meta. Após a chegada da maioria dos atletas ocorreram duas explosões que vitimaram centenas de pessoas (maioritariamente espectadores que assistiam à chegada e que as primeiras notícias contabilizaram em três mortos e mais de cem feridos) e a que, sensatamente, as autoridades norte-americanas não atribuíram imediata conotação terrorista, embora o presidente Obama tenha prontamente anunciado que as autoridades vão encontrar e punir os responsáveis.


Apesar da administração Obama ter marcado uma clara diferença na abordagem do problema relativamente à anterior – enquanto Bush classificou prontamente o 11 de Setembro como uma ataque aos EUA, abrindo caminho a uma abordagem militar, Obama sempre se referiu a este atentado como crime e defendeu a punição dos responsáveis no quadro dos sistema judicial. Ainda assim, foi prontamente noticiado que «Talibãs do Paquistão negam qualquer envolvimento nas explosões em Boston», enquanto eram anunciadas medidas de reforço da segurança na próxima Maratona de Londres (a segunda mais importante no calendário mundial e que se realiza no próximo fim-de-semana), em várias cidades norte-americanas e europeias ou até que o «Japão redobra segurança em vários pontos do país depois das explosões em Boston».

Já com as investigações entregues ao FBI (a polícia federal norte-americana), foi noticiado no próprio dia que a «Polícia de Boston encontrou outros dois engenhos explosivos», para mais tarde ser desmentida quando o «FBI diz que não há mais ameaças em Boston» enquanto se informava que «Bombas eram artesanais, FBI sem detenções investiga origem do ataque», facto que abre uma perspectiva diversa sobre os acontecimentos e não exclui a hipótese de se ter tratado de um acto de “terrorismo interno”, o que levou à notícia de que «Explosões em Boston poderão resultar de atentado da extrema-direita», ou a uma mais recente peça do PUBLICO que veicula a ideia que «Ataque em Boston “parece-se mais com Atlanta ou Oklahoma”»

Esta hipótese parece tanto mais credível quanto os EUA atravessam um delicado processo de discussão a propósito da famigerada questão do direito constitucional à posse de armas e a data do atentado coincide com uma efeméride particularmente cara aos sectores mais conservadores e habitualmente conotados com a defesa intransigente desse princípio; a divisão da opinião pública norte-americana sobre a questão do direito ao porte de arma, foi precisamente o tema do editorial publicado pelo THE NEW YORK TIMES na véspera da corrida e que aqui deixo para reflexão:

«Um ponto de vista misto dos Estados sobre as armas

Pelo Conselho Editorial

O bom, o mau e o vilão estão a emergir das assembleias legislativas de todo o país com os legisladores a apoiarem propostas de armas radicalmente diferentes, na sequência do massacre que ocorreu em Dezembro na localidade de Newtown, no Connecticut.

Enquanto nuns estados tem sido reforçada a segurança no uso de armas, noutros está a ser consideravelmente enfraquecida pelo lobby das armas em nome da defesa do direito de porte de arma. Até agora, cinco estados já aprovaram sete leis que melhoram a segurança das armas, enquanto 10 outros promulgaram 17 leis minando controlos, de acordo com o Centro de Direito para Prevenir a Violência Armada, que acompanha a questão.

A mensagem aqui é clara: Permanece uma grande necessidade de ampla legislação federal para fechar brechas interestaduais potencialmente letais.

No lado negativo da segurança das armas, os legisladores do Arkansas votaram que fosse permitido o porte de armas nas igrejas e nos campus universitários. Legisladores de Dakota do Sul autorizaram os conselhos escolares a armar os professores. Residentes de Tennessee têm agora o direito de armazenar armas no seu carro no local de trabalho, mesmo contra a objecção das entidades patronais. Propostas claramente inconstitucionais declarando nulo qualquer novo controlo federal de armas foram introduzidas em 36 legislaturas estaduais, de acordo com a Sunlight Foundation.

Políticas regressivas sobre o uso de armas estão também em discussão nas pequenas cidades. O Conselho Municipal de Nelson, na Geórgia, promulgou recentemente o Family Protection Ordinance, que obriga os chefes de família a possuir armas e munições. Membros do Conselho declararam que a lei era uma demonstração de apoio ao direito de porte de arma mais do que uma lei que esperavam ver aplicada.

No lado positivo, Maryland aprovou algumas das medidas mais duras no verdadeiro sentido do controle de armas – proibindo as armas de assalto, a posse de armas de fogo por doentes mentais, e exigindo a recolha das impressões digitais dos compradores de armas e obrigando a curso de formação em segurança e prática de tiro. Estas e leis mais fortes em Nova York, Connecticut e Colorado são importantes passos locais para a frente. Mas ainda necessitam de controlos federais para que possam ser totalmente eficazes e não comprometidos por estados mais brandos.

O poder do lobby das armas, através dos financiamento eleitorais e da propaganda, tem sido evidente nas assembleias legislativas ao longo de décadas e os seus apoiantes sentem que tem aumentado desde a carnificina de Newtown. “Os joelhos pararam de tremer”, disse um porta-voz do Comité de Cidadãos para o direito de porte de armas ao The Wall Street Journal.
Nesta fase, os dois lados interrogam-se abertamente – apesar da decisão positiva do Senado que permitiu votar medidas de controlo dos antecedentes criminais – se o Congresso estará à altura de enfrentar a questão.»

enquanto recordo que se assinala no dia 19 o 18º aniversário do Atentado de Oklahoma, onde Timothy McVeigh (tido como simpatizante das teorias políticas de extrema direita e seguidor de William Luther Pierce, um dos principais líderes do movimento neonazi norte-americano) fez detonar um camião bomba com mais de 2 toneladas de explosivos à porta dum edifício público, causando a morte de 168 pessoas e mais de 500 feridos.

sábado, 13 de abril de 2013

SCHÄUBLE, GASPAR & Cª


No âmago da agitação política interna acicatada pela desproporcionada reacção do primeiro-ministro ao chumbo pelo Tribunal Constitucional dalgumas pontos do OE para 2013, surgiu ainda a voz do ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble, avisando que «Portugal tem de tomar mais medidas depois do veto do TC», numa clara manobra intervencionista e intimidatória.


As posições neoliberais de Schäuble são há muito conhecidas e constituem motivo de referência sobretudo pelo marcado carácter de soberba que raia o chauvinismo. Isso mesmo deixou particularmente claro o presidente do Conselho Económico e Social na «Carta aberta ao ministro das Finanças alemão» que publicou no PUBLICO em finais do mês passado, onde «Silva Peneda acusa ministro alemão de querer despertar “fantasmas de guerra” na Europa» e que eu complemento afirmando que a jactância do ministro servirá já para exorcizar fantasmas internos e para esconder os problemas que a Alemanha já sente e que o NEGÓCIOS já noticiou dizendo que a «Recessão da Zona Euro penaliza exportações alemãs».

Desde a primeira hora que a estratégia alemã para combater a crise da Zona Euro tem ziguezagueado entre a mais abjecta sobranceria e a não menos absurda navegação à vista, sem esquecer a insidiosa chantagem. Exemplo recente disso mesmo é a notícia de que «Berlim alerta que confiança adquirida por Portugal “tem que ser cuidadosamente preservada”», numa linguagem hiperbólica relativamente àquela onde «Pedro Passos Coelho garante que o chumbo do Tribunal Constitucional fragilizou Portugal» na renegociação das condições da dívida com a “troika”.

Mas as fragilidades das teses neoliberais mais acerbadas não param de se revelar e assim, eis que poucos dias após mais esta descarada chantagem sobre os portugueses surge a notícia que afinal o «Eurogrupo vai dar mais 7 anos a Portugal e Irlanda». Nada que não fosse de esperar face à crescente evidência da impossibilidade de liquidação das dívidas (para já das dos países resgatados do Sul da Europa) e que nem o anunciado condicionalismo a um resultado positivo da próxima avaliação da “troika” (como se fosse possível resultado diferente num processo de autoavaliação) altera.

Mas a notícia mais espantosa foi a publicada pelo FINANCIAL TIMES que revela as conclusões dum estudo do FMI segundo o qual a «Dívida de Portugal é detida sobretudo por especuladores», deitando por terra todos os beatíficos discursos de Schäuble, Gaspar & Cª em torno da necessidade de honrar os compromissos.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

NÃO… OU A OPÇÃO PELO LODAÇAL


Muito se tem dito e escrito nos últimos dias a propósito do chumbo pelo Tribunal Constitucional duns quantos pontos do OE para 2013 e até das condições para a continuidade em funções do governo…


…mas talvez poucos tenham sintetizado a situação tão claramente quanto o fez Paul Krugman, que nuns escassos dois parágrafos resumiu a questão a um simples «Just Say Nao».

A apreciação do reputado prémio Nobel baseia-se no simples pressuposto enunciado pelo FINANCIAL TIMES após o anúncio televisivo do primeiro-ministro, que o PUBLICO resumiu dizendo que «Passos recusa aumentar impostos e ordena corte na despesa das áreas sociais», que aponta para a continuação das políticas de redução da despesa pública e na sua natural opção (não esqueçamos que Krugman é um dos expoentes da corrente neo-keynesiana) por privilegiar o investimento público. No caso concreto de Portugal e do governo chefiado por Passos Coelho, não pode apenas ser apontada a sua clara opção pela solução neo-monetarista de redução da intervenção estatal na economia, tendo igualmente de ser equacionadas outras condicionantes que (sabemos nós os que convivemos com estes governantes) estão muito além da conjectura (e da informação) que chegam a Londres (Financial Times) ou a Nova York (Paul Krugman).

Enquanto para os observadores estrangeiros é no plano ideológico que se situa o grande entrave para uma mudança de política em Portugal, internamente sabemos (pelo menos os que não bajulam os poderes estabelecidos) que a verdadeira barreira é o dogmatismo ligado a uma incapacidade congénita para reconhecer os erros e, na sua função, reajustar a prática.

Para Paul Krugman (como para qualquer pessoa capaz de raciocinar e de questionar as suas próprias opções) é natural que na iminência do precipício se actue mudando a direcção da caminhada e portanto, perante o fracasso duma política de “austeridade expansionista” que apenas logrou expandir a recessão, se diga “não” à sua continuação.

A questão é que a estratégia do governo de Passos Coelho (e de quem o apoia) não está orientada para a resolução dum problema de desequilíbrio orçamental e financeiro, mas para a obtenção doutro resultado, que não é senão a redução do Estado Social que foi a origem e razão de ser da União Europeia imaginada como solução para um pós-guerra pleno de dificuldades. Se dúvidas ainda houver sobre tal desiderato veja-se a pronta solução adiantada por Vítor Bento (conhecido apoiante das correntes neoliberais e conselheiro de Estado) que sem pejo ou hesitação assegura que «Decisão do TC só deixa “três portas abertas: impostos, fecho de serviços ou despedimentos”» como se os gastos com as PPP, as rendas excessivas ou o serviço da dívida não existissem.

Fortalecendo a ideia da intencionalidade na redução do papel social do estado, veja-se que reagindo a uma notícia veiculada pelo reputado Wall Street Journal, onde era indiciado que os «subsídios podem ser pagos em dívida pública», não tardou o anúncio de fonte oficial de que «Governo paga subsídios de férias a funcionários e pensionistas em dinheiro», numa clara opção por uma estratégia de “quanto pior melhor” (opinião partilhada por Sampaio da Nóvoa, Reitor da Universidade de Lisboa, quando assegura que «“Governo utiliza o pior da autoridade para interromper o Estado de Direito”»), particularmente querida dum fanatismo cada vez mais evidente que nos empurra já não para o pântano da estagnação económica (nesse já mergulhámos há algum tempo) mas para o lodaçal duma sociedade cada vez mais desprovida doutros valores que não os do dinheiro e do lucro.

sábado, 6 de abril de 2013

MARCOS... OU TALVEZ NÃO!



O futuro dirá se esta foi uma semana a marcar com uma pedra branca, ou não!

Não apenas no plano nacional mas também no internacional, onde ao fim duma década de esforços e de negociações foi notícia o facto da ONU ter finalmente «Aprovado primeiro tratado internacional sobre comércio de armas», acordo que poderá introduzir algum travão no multimilionário negócio da venda de armamento, mas que principalmente poderá contribuir para a redução do número de mortes que anualmente ocorrem nos quatro cantos do mundo, pois os países signatários comprometer-se-ão a avaliar o destino dos “equipamentos” antes da conclusão do negócio.

É claro que não houve unanimidade e alguns dos principais fornecedores (China e Rússia) e compradores (Egipto, Índia e Indonésia) abstiveram-se alegando que o texto fica aquém do desejável no caso dos “actores não-governamentais”; a entrada em vigor do acordo depende agora da ratificação de cada um dos estados (só após a 50ª é que o tratado entrará efectivamente em vigor) mas o mais positivo foi o facto do principal fornecedor (EUA) ter votado favoravelmente, apesar da conhecida oposição da poderosa NRA (National Rifle Association), ainda que o efectivo alcance da iniciativa só possa ser avaliado a prazo, por arriscar não passar de mais uma manobra de fachada para acalmar alguma opinião pública, deixando na prática tudo como está e facilitando a proliferação da distribuição e venda de armamento a coberto dum pretenso acordo para que este não seja usado em abusos humanitários, terrorismo, crime organizado transfronteiriço e violações da legislação humanitária.

Quem esqueceu já que se na década de noventa do século passado foi anunciado um acordo de não proliferação nuclear que os principais actores (EUA e China) nunca ratificaram, também este pode facilmente ser transformado em letra morta.

No plano nacional ocorreram a muito aguardada decisão sobre a constitucionalidade dalguns pontos do OE para 2013 (com a notícia de que «Constitucional chumba corte de subsídio de férias de funcionários públicos e dos pensionistas») e a muito reclamada demissão do ministro Miguel Relvas. A saída dum ministro há muito contestado, ao invés de prenunciar o regresso a alguma normalidade política deixou antes mais questões e fundadas dúvidas sobre outros conluios governamentais, pois a associação da sua demissão ao anúncio das conclusões da auditoria à universidade responsável pela sua mais que duvidosa licenciatura, que levou o PUBLICO a noticiar que o ministro Nuno «Crato não pode anular licenciatura de Relvas, mas espera que tribunal o faça», e o facto noticiado pelo I de que o “timing” da demissão foi concertado com o primeiro-ministro, revela que nem a sua saída assegurará o fim da cultura de compadrio e manipulação a que há muito se encontra associado. Pior ainda quando na mesma notícia se assegura que «Relvas demite-se mas não exclui ir para o parlamento», assim confirmando que os envolvidos não revelam o menor indício de ter entendido as razões que levaram a tornar viral a campanha “Vai estudar, Relvas!”

Com Relvas em qualquer das filas (no governo ou no parlamento) continuaremos a assistir à proliferação do mais desbragado arrivismo e despudor político; contrariamente ao que escreve Manuel Carvalho em «Um bom dia para Portugal» com a saída de Relvas do governo nem este se libertou dum pesado fardo político, nem o país pode congratular-se pelo regresso da normalidade cívica e ética ao regime, porque nada prenuncia o fim do pior que a cultura política pode produzir e o autismo de que sucessivos governantes têm dado mostras persiste após o anúncio de que «Decisão do TC mostra que opções do Governo 'afrontam direitos dos trabalhadores'», quando ao invés de retirar a única ilação possível duma segunda declaração de inconstitucionalidade se admite na imprensa que «Chumbo do TC pode levar Governo a tentar negociar nova revisão das metas», procurando assim relegar para o limbo da memória a gravidade do facto do actual governo nunca ter elaborado um OE isento de dúvidas sobre a respectiva legalidade, nem daí extrair qualquer ilação sobre a idoneidade e sentido ético do executivo (como escreve Henrique Monteiro no artigo do EXPRESSO «Sete pontos sobre o terramoto do TC»), apenas porque conta previamente com o apoio presidencial quando «Cavaco diz que Governo "tem toda a legitimidade" para governar».


Haverá melhor exemplo de total ausência de ética e da perpetuidade dos “Relvas” que esta manipulação dos conceitos de legitimidade eleitoral e legitimidade democrática?

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O QUARTO LADO DO TRIÂNGULO



trilogia Chipre-Palestina-Síria e os interesses que entre ela se movem, não ficariam completos sem uma referência ao seu quarto lado: a Turquia.

No caso da Turquia movem-se mais que os meros interesses económicos directamente ligados à exploração e distribuição do petróleo, já que este país acalenta manifestos interesses hegemónicos na região (e até no interior da “nação islâmica”, hegemonia que disputa em ambos os casos com o Irão) e mantém há décadas um diferendo com a Grécia sobre a ilha de Chipre a pretexto duma comunidade turca que a ONU e a comunidade internacional não reconhecem.


A existência deste diferendo, que tem sido um dos entraves da adesão turca à UE, não obstou à sua adesão à NATO, organização para a qual terão tido maior importância a sua localização estratégica e o peso regional duma Turquia moderada e ocidentalizada.

Razões de natureza estratégica ditam há muito a apetência pelo controlo da ilha (mais um factor para acirrar a disputa entre gregos e turcos), facto que ditou a permanência de duas bases militares britânicas após a independência concedida em 1960, e explicam a forma como a imprensa noticiou o potencial envolvimento da Rússia na crise financeira cipriota.

De tudo isto o que afinal transparece deste imbróglio euro-cipriota é que a UE continua a revelar-se incapaz de gizar e aplicar uma estratégia integrada e exequível para o conjunto dos estados-membros, continuando os seus líderes a revelar a incompetência que já demonstraram noutras ocasiões, ou, nas palavras de Adriano Moreira (ver o «Mal Europeu»), à Europa «…falta um conceito estratégico que tradicionalmente incluiu um inimigo a abater. […] O mal europeu exige uma cuidadosa e urgente meditação sobre um conceito estratégico que lhe falta, que não pode ser feita por técnicos que não representam os povos, que exige não perder a memória histórica, para enfrentar um mundo novo em formação, de definição ainda incerta, com o risco de não intervir com a sua voz própria no futuro global.»

Será então de estranhar que a crise sistémica (económica e financeira) tenha evoluído rapidamente para uma crise social e evidenciado uma perigosa crise política à qual é cada vez seja mais frequente associar a necessidade do regresso ao modelo de construção duma Europa dos Povos (em contraposição à actual Europa das elites) onde as políticas sirvam o interesse geral e não os interesses instalados que converteram a Democracia numa verdadeira Oligarquia.