quarta-feira, 12 de junho de 2013

O ERRO DO FMI

Após um primeiro, tímido, arrepiar de caminho, quando o «FMI reconhece que calculou mal o impacto da austeridade na economia» (ver o “post” «OFICIAIS E POPULARES») e desde que estalou a polémica em torno do “erro de Rogoff” (explicada no “post” «ACONTECE») que dificultou a sustentação do dogma da virtuosidade da austeridade-expansionista, eis que novamente o «FMI admite "erros graves" no resgate à Grécia».

Apesar do esforço para circunscrever aquela apreciação ao caso grego – como sucedeu com um entrevista radiofónica (conforme noticiou o EXPRESSO) onde o economista-chefe do FMI «Olivier Blanchard admite perda de tempo com resgate da Grécia» dificilmente a opinião pública deixará de estabelecer comparações com outros estados da Zona Euro.

E faz bem, porquanto o que se assistiu na abordagem da crise da Zona Euro foi à aplicação dum modelo de actuação que pouco se distinguiu dos casos anteriores que mereceram a intervenção do FMI. Sem querer voltar aqui ao histórico das suas actuações, sempre recordo que desde 1990 estas se têm pautado pela adopção do chamado Consenso de Washington – conjunto de medidas composto por dez regras básicas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos; reforma tributária; livre formação das taxas de juro e de câmbios; abolição de barreiras comerciais (pautas aduaneiras); eliminação de restrições ao investimento estrangeiro directo; privatização das empresas públicas; desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e trabalhistas); direito à propriedade intelectual, formulado por economistas do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos EUA e fundamentadas num texto do economista John Williamson, do Peterson Institute for International Economics – que passou a constituir a receita para promover o "ajustamento macroeconómico" dos países em desenvolvimento que atravessassem dificuldades.

Embora de quando em vez a imprensa refira a existência de algumas divergências entre os membros da “troika”, o certo que estes sempre afirmaram o primado dos princípios neoliberais subjacentes à prática do FMI, pelo que até as divergências que parecem ressaltar quando o comissário europeu Olli «Rehn acusa FMI de querer "sacudir a água do capote"» ou, o ex-presidente do Eurogrupo, Jean-Claude «Junker admite erros no resgate à Grécia» devem ser encaradas com as devidas reservas.

No essencial o erro do FMI – e dos restantes parceiros da “troika” – não se reduz ao caso grego nem ao simples facto de não terem de imediato optado por uma solução de renegociação daquela dívida, nem a uma submissão a ditames políticos (como parecem sugerir as declarações de Blanchard de que «a Grécia deveria ter estado disposta a renegociar a dívida à partida, poder sair da crise mais facilmente, mas no contexto europeu da época, as condições não estavam ainda reunidas para isso...»); o erro resulta de duas origens diversas, a saber: a natureza dogmática das opções neoliberais e a incapacidade para entenderem que o cerne do Consenso de Washington – uma política de desvalorização cambial – era inaplicável num quadro macroeconómico onde a economia a intervencionar não dispõe de moeda própria.

A debilidade técnica dos especialistas da “troika” é confrangedora ao ponto do mesmo Olivier Blanchard ter começado por reconhecer a ausência de pragmatismo na abordagem da situação grega para mais tarde argumentar que «Fizemos o nosso melhor no nosso tempo, não aplicamos uma doutrina no FMI, aplicamos pragmatismo a uma realidade extraordinariamente complexa», mas sem nunca reconhecer que a opção por uma política de desvalorização salarial, em alternativa ao clássico recurso a políticas de desvalorização cambial impossível de aplicar no seio duma união monetária, resultou numa quase asfixia económica, que agora recusam admitir e encarar.



Se a esta situação adicionarmos o histórico de fracassos económicos e sociais associados às intervenções do FMI e o erro na estimativa do efeito recessivo das políticas de consolidação orçamental (a já referida subavaliação dos efeitos do multiplicador orçamental) teremos um quadro mais completo da confrangedora ausência de competência e de seriedade dos “técnicos” e dos “políticos” a quem se tem entregado a condução dos destinos dos 500 mil milhões de cidadãos europeus.

Considerando que a sua principal tarefa continuará a ser a de assegurar o máximo retorno para os credores internacionais, poderão ser tentados a enfileirar na linha que tem vindo a defender como medida alternativa a renegociação das dívidas no que continuará a constituir um logro, pois a simples renegociação (incluindo ou não perdão parcial da dívida) não representará uma solução – como se pôde comprovar pelo reduzido efeito na economia grega do perdão parcial acordado em 2012 – se não incluir uma completa redefinição dos termos de funcionamento da moeda única e a consagração do BCE como principal financiador dos orçamentos dos estados da Zona Euro.

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