sábado, 23 de novembro de 2013

MATAR O CARTEIRO

O anúncio no início da semana que teríamos as «Acções dos CTT negociadas em bolsa a 5 de Dezembro» marcou a contagem decrescente para a pior das infâmias do pouco digno processo de privatizações a que o País tem assistido desde meados dos anos 80 do século passado.

Persistindo na comprovadamente errada política de privatização de empresas públicas – caso da Galp, Portugal Telecom, EDP, Rodoviária Nacional, REN, ANA, etc., monopólios ou quase monopólios cuja venda não resultou, contrariamente ao prometido, numa clara melhoria dos serviços mas antes no acréscimo de custos para os consumidores quando o que se deveria era ter assistido a uma abertura dos sectores de actividade à iniciativa privada – e depois do fracasso que foi a operação de privatização da TAP, eis que se lhe segue agora os CTT. Esta empresa, que assegura o serviço postal nacional (vulgo correio) remonta ao século XVI, conheceu a monarquia e a república, sobreviveu a invasões, ocupações e outras calamidades (como a do Terramoto de 1755), foi no início do século passado (a par com a escola pública) o esteio duma praxis republicana que se pretendeu estendida a todo o território e a toda a população e cuja morte agora se anuncia.


É certo que a concorrência doutras empresas de transporte rápido de mercadorias e a generalização dos meios electrónicos de correspondência lhe reduziram o papel, mas não a utilidade nem os resultados, tanto mais que já foi anunciado que o «Lucro dos CTT avança 28% para 45,2 ME até Setembro».

A há muito anunciada a intenção do governo de Passos Coelho de privatizar os CTT insere-se numa linha de discurso muito querida da generalidade dos governos europeus e no já habitual radicalismo do eterno candidato a “bom aluno”. Ao contrário da esmagadora maioria dos congéneres europeus – segundo informou há dias o PUBLICO «80% dos correios da Europa estão nas mãos do Estado» que mantém o serviço postal na esfera pública e os poucos que assim não procederam mantém ainda uma posição maioritária, Passos Coelho vai privatizar 70% do capital duma empresa que já anunciou que espera distribuir dividendos de 60 milhões de euros em 2014. Interessados não têm faltado e se após o anúncio que as «Acções dos CTT custam entre 4,10 e 5,52 euros» alguns, como a URBANOS (grupo português que tem na distribuição e logística a sua principal actividade) entendem que «Preço mínimo das acções dos CTT "está muito elevado"», outros pré-candidatos, como os CORREOS espanhóis ou a brasileira ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), ainda não se pronunciaram.

Não vivesse o actual governo obcecado com os défices e não privilegiasse o pagamento aos credores e talvez o interesse dos congéneres espanhóis e brasileiros, ambas empresas de capitais exclusivamente públicos que no caso da brasileira merece até referência específica na constituição federal, tivesse sido entendido como alerta, tal como o facto de no país campeão do liberalismo e da iniciativa privada, os EUA, o serviço postal continuar a ser exclusivamente público. Bastaria a simples pergunta que quase seguramente a maioria dos portugueses formularam: porque estariam os correios espanhóis e brasileiros interessados se a actividade não fosse lucrativa? e se é lucrativa, porque se vende? ou como muito bem lembrou Daniel Oliveira no EXPRESSO quando escreveu que «uma década em dividendos rende ao Estado o mesmo que a privatização».

A infâmia que referi no início não se resume à aberrante decisão de alienação duma actividade que é julgada de especial interesse para a colectividade e para a coesão social, mas principalmente por esta constituir mais uma manifestação de claro desinteresse pelas populações e em especial pelas mais desprotegidas e isoladas e sem que do “negócio” resulte mais que um circunstancial ganho de curto prazo, para as contas públicas, já que para os “compradores” está assegurado um grande negócio, pois a empresa, no entender do NEGÓCIOS, «vai pagar o melhor dividendo da bolsa nacional».

A “negociata” começou a ser preparada há já algum tempo – não só nos contactos com potenciais interessados mas também através duma reestruturação onde os «CTT cortaram 894 postos de trabalho num ano» e agora com data marcada e sabido que o «Preço de entrada do Royal Mail em bolsa gera polémica no Reino Unido» resta esperar que as dúvidas não se repitam entre nós…

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