quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

PILARES (parte II)

(conclusão de PILARES parte I)

Tal como noutros cenários, também na questão ucraniana, cinco meses volvidos sobre um acordo de cessar-fogo não só se voltou à estaca zero em termos de beligerância (com o inevitável cortejo de mortes e destruição) como o «Anunciado cessar-fogo na Ucrânia», conseguido na sequência duma maratona negocial que envolveu, ao mais alto nível, russos, alemães, franceses e ucranianos, estará longe de tranquilizar os patrocinadores do conflito, pois se «17 horas depois, Donetsk e Lugansk ganharam. Kiev e Europa são as derrotadas», o que significa que pouco do almejado pelo Ocidente terá sido alcançado nesta confrontação com Moscovo, excepto a crescente convicção da sua injustificação, a ponto de no dia seguinte ao início do cessar-fogo acordado ter surgido a notícia que a «União Europeia alarga lista de sanções à Rússia». A comprovar o fracasso de mais esta iniciativa, eis que pouco tempo depois, entre acusações mútuas de incumprimento do cessar-fogo, já se anunciava que «Ofensiva rebelde obriga ucranianos a retirar de Debaltseve».


O directório franco-germânico continua a conduzir a UE em mais uma aventura de resultado muito duvidoso, menorizando-se aos olhos da opinião pública internacional (por mais que a imprensa ocidental teça loas aos resultados e lance sobre os russos as culpas do confronto, a verdade é cada vez menos escamoteável) precisamente quando voltou a enfrentar uma das piores fases da sua existência com o anúncio que o «Eurogrupo não chega a acordo sobre a Grécia», arrastado durante semanas até ao esperado anúncio que o «Eurogrupo e Grécia chegam a acordo: mais quatro meses e sem austeridade adicional»; sabido que a «Rússia admite prestar ajuda financeira à Grécia», vê fragilizado o efeito dissuasor do agravamento das sanções económicas (especialmente desde que alvitrado que a aproximação entre a Grécia e a Rússia pode quebrar o consenso europeu sobre aquelas sanções) e reforça a ideia que Moscovo está também a ganhar no tabuleiro económico.

Confirmando que a “guerra” contra Putin se trava na vertente económica (para quem já tenha esquecido que no início do “interesse” da UE pela Ucrânia a questão chegou a ser colocada em termos que a «Rússia paga mais que a UE para ficar com a Ucrânia»), para garantir a “submissão ucraniana e talvez para compensar Poroshenko (o magnata ucraniano, conhecido como o “Rei do Chocolate”, eleito presidente da Ucrânia em Maio do ano passado na sequência da Revolta do Maidan e do derrube de Yanukovich) pela “derrota” em Minsk, foi anunciado nesse mesmo dia que o «FMI propõe novo empréstimo a Kiev de 15,4 mil milhões de euros».

A evidente falta de tacto (ou incapacidade) que os dirigentes europeus têm revelado nas vertentes política e económica estende-se, obviamente, à questão do “terrorismo islâmico”, fenómeno que atingindo já o dia-a-dia local de muitos europeus – o mais recente foi um «Tiroteio em Copenhaga junto a seminário sobre islamismo» – é já objecto de manipulações em favor de «Leis mais apertadas para controlar terrorismo», que fatalmente acabarão por constituir mais um rude golpe num dos pilares fundadores da Europa; depois das malfeitorias à Paz e à Prosperidade, estão reunidas todas as condições para assistirmos a um golpe sobre a Liberdade dos cidadãos.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PILARES (parte I)

Directa ou indirectamente a Europa está a debater-se com um conjunto de problemas de solução variável, que atingem três dos seus principais pilares: a Paz, a Prosperidade e a Liberdade. Desde o reacendimento da “crise grega” com a ascensão em Atenas dum governo pouco disposto a submeter-se ao “diktat” ordoliberal, à reactivação dum conflito na Ucrânia que uma postura europeia mais pragmática e mais consentânea com a História poderia der desactivado, até à famigerada questão do “terrorismo islâmico”, tudo parece abater-se sobre uma Bruxelas há muito dominada por uma eurocracia desajustada do tempo e da realidade.

A transição duma Europa do diálogo e da concertação para uma outra onde pontifica o interesse das principais economias, que não coincidindo com a passagem de Durão Barroso pela presidência da Comissão teve nesse período a sua maior expressão, não está apenas a desgastar o conceito da UE, mas principalmente a perspectiva que dela têm os seus cidadãos. Coincidindo com a generalização do modelo da globalização juntaram-se três grandes eventos – a fragmentação soviética e a queda do Muro de Berlim, que levaram inclusive ao anúncio do “Fim da História”, a eclosão do fenómeno do terrorismo islâmico e as invasões do Afeganistão e do Iraque, e a Crise Global despoletada em 2008 pela crise norte-americana do “subprime” – que moldaram uma nova realidade. Enquanto o primeiro pareceu cimentar o papel hegemónico dos EUA , o segundo abalou essa mesma convicção e revelou-o como um gigante com pés de barro (possuidor do maior e mais equipado exército mundial mas desprovido dos meios financeiros para o utilizar adequadamente) que a Crise Global veio confirmar com a ascensão do Império do Meio (China) como grande candidato à hegemonia.

Neste contexto de fragilização dos EUA e com a existência de claros sinais de recuperação da economia russa (a herdeira física da ex-URSS), não é de espantar o interesse norte-americano por todo e qualquer acontecimento que possa comprometer essa mesma recuperação. Assim, se as guerras nos Balcãs que na última década do século passado selaram a fragmentação da Jugoslávia (vendo digladiarem-se sérvios, bósnios, croatas e kosovares) e culminou com a formação de novos estados, incluindo um extraordinário Kosovo, serviram para o redesenho do mapa duma das regiões mais instáveis da Europa, o actual conflito na Ucrânia está a ser usado como via para isolar e conter a crescente influência de Moscovo nas antigas repúblicas que controlou, acontecendo agora com a Ucrânia algo de parecido com o que aconteceu em 2008 quando na Geórgia uma tentativa de secessão das províncias da Ossétia do Sul e da Abkházia chegou a ser apresentada como prenúncio duma nova Guerra Fria (ver o “post” «VOLTOU A GUERRA FRIA?»).

A situação da Ucrânia não deriva apenas do desejo de aproximação dos seus naturais à UE, antes da intenção ocidental de alargar a influência da NATO (ver os “posts” «DIVIDIDOS», «A UCRÂNIA E A UE» e «KIEV JÁ ESTÁ A ARDER») a um território que Moscovo sempre anunciou como indispensável à sua segurança (nomeadamente quando a «Rússia adverte Ucrânia contra adesão à NATO») e em parte do qual (a península da Crimeia) se localiza a única base naval russa operacional durante todo o ano. Com uma população de origem russa na ordem dos 18 a 20%, maioritariamente instalada nas regiões mais industrializadas e uma conturbada vida política que acabaria por culminar com a substituição em 2014 dum presidente pró-russo, Viktor Yanukovych, por outro pró-ocidental, o industrial Petro Poroshenko; perante este cenário a Rússia fomentou um referendo e a anexação da península da Crimeia a que se querem juntar as regiões de Donetsk (a segunda cidade depois da capital, Kiev) e Luhansk, abrindo as hostilidades entre os nacionalistas ucranianos e os separatistas russos, com o habitual e inevitável rol de mortos e feridos.


Após os primeiros confrontos, acompanhados do anúncio que os «EUA querem que NATO ajude a Ucrânia», foi alcançado um acordo, em Setembro de 2014, onde «Ucranianos, russos e separatistas assinam paz»; uma paz que o Inverno, as constantes provocações de parte a parte e a manutenção de interesses antagónicos levaram à reactivação do confronto e ao regresso do calvário das populações apanhadas entre os beligerantes.


(continua em PILARES parte II)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

CONFISSÕES

Houvessem resquícios de probidade e um mínimo de dignidade entre as elites políticas europeias e a afirmação do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude «Juncker sobre a troika: "Pecámos contra a dignidade" de Portugal e Grécia», qual “tsunami” teria varrido gabinetes políticos que nem folhas mortas.

A enormidade da afirmação – confissão clara do exagero prático da política da “austeridade expansionista” – ganha especiais contornos quando o seu autor foi o anterior líder do Eurogrupo (o núcleo de decisão do modelo de resgate imposto a gregos, irlandeses e portugueses, mas suavizado nos casos de Espanha e Itália) e o ex-primeiro-ministro dum estado, o Luxemburgo, que fomentou políticas de “dumping” fiscal e que, como qualquer um dos seus pares, não hesita em dizer o que for conveniente e conjunturalmente necessário para se sustentar ou auto-promover. Por isso reservo-me de ressaltar, como Pedro Santos Guerreiro, «A dignidade de Juncker», preferindo esperar para ver os desenvolvimentos.

Ao contrário, aqueles tolos mantêm o topete de continuar a pulular por aí como se nada se passasse. É claro que o declarante, caso não se tenha apercebido ainda, é parte integrante daquela mesma chusma de emproados, invariavelmente rodeados de apaniguados e bajuladores, que tem conduzido os povos da Europa (e em especial os do Sul) num rumo desgraçadamente desaustinado.

Só uma mal disfarçada inépcia justifica que, na actual conjuntura da Zona Euro e à beira duma crise que pode significar a sua implosão, algum dirigente europeu possa assumir uma abordagem isolacionista e afirmar, como o fez Passos Coelho, que «“Portugal é dos países que mais tem ajudado o povo grego”», (prontamente secundado pelo cada vez mais irrelevante presidente da República quando, apesar de informação em contrário assegurando que «Afinal, Portugal não foi o país da zona euro que mais ajudou a Grécia», até o “reputado técnico” «Cavaco replica Passos e diz que Portugal é o país que mais dinheiro deu à Grécia») ou uma desavergonhada convicção, como a que revela o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, ao afirmar que «Portugal e Irlanda são "a melhor prova" de que os programas funcionam»… esquecendo de completar o raciocínio e assumir que isso é verdade do ponto de vista dos credores.

Não é apenas o facto de quererem fazer tábua rasa dos factos – redução do PIB, aumento do desemprego e da emigração, crescimento dos níveis de pobreza, etc. – que a realidade demonstra, é a imagem do desfasamento dessa realidade que representam, ao propalarem mentiras habilmente tecidas com meias verdades, enquanto se comprazem com auto-elogios na torre de marfim em que vivem. Assim vão tentando manter o resto dos cidadãos num estado que oscila entre a ignorância ou o alheamento, na expectativa de lhes voltarem a “caçar” o voto na primeira oportunidade…


…e para desdita nossa, têm-no conseguido!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

IRRESPONSABILIDADES

Não sendo normal que a realidade ultrapasse a ficção, começa a parecer banal chegarem-nos, das bandas das germânias, comentários sobre a Grécia dum ultrajante cabotinismo; depois de em 2010 termos ouvido um responsável alemão (Franch Schäffler, membro da comissão parlamentar de finanças) recomendar aos gregos que vendessem as suas ilhas para liquidar dívidas, eis que, em vésperas de mais uma reunião do Eurogrupo para debater uma solução para a crise grega, é o próprio ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble que afirma aos microfones duma estação de rádio que: «"Sinto muito pelos gregos. Elegeram um governo que se comporta de forma irresponsável"».


Esta declaração não pode ser encarada como um deslize, nem deve se analisada enquanto um disparate, pois traduzia por antecipação o fracasso da reunião do Eurogrupo que hoje teve lugar. Ela é, na forma e na essência, uma clara transcrição da linha de pensamento que tem orientado a UE nesta última década. O digníssimo Schäuble, do alto dum prestigiado ministério ao qual foi alcandorado pelo sapientíssimo voto do povo alemão, julga-se competente e autoridade suprema para catalogar os seus homólogos gregos e na sua infinitíssima condescendência apelida-os, quais débeis mentais, de irresponsáveis.

Pelos vistos, para Schäuble e a sua camarilha (onde pontifica o inefável Passos Coelho), sinal de responsabilidade seria aumentar ainda mais o esbulho dos cidadãos gregos (e dos restantes países de calaceiros) em benefício dos bancos (alemães e franceses entre os principais), mesmo sabendo-se da impossibilidade da Grécia pagar as suas dívidas, e esperar que estes votassem nos subservientes apaniguados locais.

O busílis, para Schäuble e o conjunto dos fanáticos ordoliberais, é que a irresponsabilidade demonstrada pelos eleitores gregos continua a revelar-se de difícil resolução num sistema que persiste na maçada (e no perigo) de repetir um acto irresponsável como o de votar.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

CONTO INFANTIL

De quando em vez qualquer um sucumbe ao espírito da época e embora esta expressão seja comummente aplicada ao período natalício (aquele que a tradição cristã carregou de maior sentimentalismo), desta vez aplico-o ao período carnavalesco que se inicia. A gravidade de situações como as que se vivem na Ucrânia ou na Grécia e que se reflectem mais que directamente por toda a Europa, deveria ser suficiente para dispensar justificações para a sua abordagem, tanto mais que como escreveu há dias José Ribeiro e Castro no PUBLICO, vemos «A União Europeia à beira do abismo» quando os seus principais pilares – a paz, a prosperidade e a liberdade – são directamente ameaçados.

Sucede porém que o quase “fait divers” que deveria ter sido a publicação duma carta aberta onde um conjunto de «Personalidades apelam a Passos para rever posição sobre a Grécia» acabou convertido em algo bem mais substantivo e merecedor de atenção.

Em defesa da iniciativa, um dos subscritores, «João Cravinho diz que problema da dívida grega é de toda a União Europeia» e foi ainda um pouco mais longe quando disse que o documento «“É um apelo ao bom senso” do primeiro-ministro», abrindo a dimensão cómica de apelar a quem não tem revelado outra capacidade além duma fixação dogmática.

Isso mesmo ficou demonstrado na resposta do exortado quando, confundindo solidariedade com o “negócio” da dívida pública, afirmou que a «Carta aberta é um "equívoco” porque Portugal é dos mais solidários com Grécia», confirmando, se preciso fosse, que se o senso é claramente uma das capacidades de que tem revelado profundas carências, o bom senso é algo que só deverá alguma vez ter revelado em privado.

Pior ainda foi sugerir que a «carta aberta "parte de um equívoco"», quando a existir semelhante suspeição terá que ser aplicada primeiramente à situação que conduziu o declarante à função que ocupa, pois as posições que tem assumido em público (como seja a de rejeitar discutir a renegociação da dívida, onde se manifestou contra uma conferência europeia para renegociar dívidas , quando, jactantemente, afirmou que o perdão da dívida grega não é possível “em nenhum sistema do mundo” ou ainda quando assegurou, para quem lhe dá ouvidos, que as ideias do Syriza são "conto de crianças") além de revelarem um provincianismo e um servilismo abjecto constituem uma clara negação da defesa do interesse nacional.


O sentimento de indignação já começa a transparecer na própria comunicação social, a ponto do editorial de hoje do PUBLICO questionar abertamente «E que tal Passos Coelho reconhecer que se enganou?». E tudo isto antes do Carnaval!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

LIBERDADES E PRÁTICAS ESCANDALOSAS

De tempos a tempos o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla inglesa) volta a encher cabeçalhos nos jornais. Desta vez, num contexto de grande incerteza em torno da solução para a Grécia e a continuidade da Zona Euro, a grande parangona é que a «Economia norte-americana pode salvar mais uma vez uma Europa em depressão», como se na actualidade a finalidade dum acordo de comércio livre (sobre algumas das implicações do TTIP ver os “posts” «O PROBLEMA EUROPEU» e «RECONFIGURAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL») fosse a salvaguarda doutro interesse que não o das grandes empresas e das grandes fortunas que as financiam, como fica amplamente evidente com a inclusão da famigerada clausula ISDS (Investor-State Dispute Settlement) que garantirá às grandes empresas o recurso a tribunais especiais para resolver eventuais conflitos com os Estados.

Nem de propósito, na mesma ocasião e demonstrando precisamente essa dicotomia entre o interesse das populações e o das grandes fortunas, vieram a público notícias onde a «Investigação "Swissleaks" revela esquemas de evasão fiscal no banco HSBC», nomeadamente com «Sessenta mil ficheiros de reis, países e famosos identificados num esquema de evasão fiscal», envolvendo qualquer coisa como 180 mil milhões de euros, ou seja um valor superior ao PIB nacional, só numa filial dum banco!


A revelação destes dados relativos a um único banco (o britânico HSBC), da responsabilidade do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação) vem confirmar a necessidade de actuação contra as verdadeiras multinacionais do crime fiscal e da lavagem de dinheiro que são os “offshores” e em especial as sucursais financeiras que neles operam, que têm proliferado em claro prejuízo da generalidade dos trabalhadores, pequenos empresários e reformados que por esse mundo fora continuam a ver os seus rendimentos reduzidos em nome dum rigor orçamental que como se vê não é aplicado de forma universal.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

REALISMOS

Muitos têm sido os cabeçalhos jornalísticos que nos últimos dias têm surgido sobre a Grécia e o diferendo que opõe o actual governo, liderado por Alexis Tsipras, e uma UE onde prevalece o dogma ordoliberal da “austeridade expansionista”, com especial destaque para os que não têm perdido o ensejo para denegrir os esforços helénicos. Curiosamente, ou talvez não, a imprensa especializada estrangeira, nomeadamente o ECONOMIST e o FINANCIAL TIMES, tem sido mais comedida a respeito das propostas gregas.

Enquanto de forma nem sempre muito esclarecedora a imprensa vai dizendo que a «Grécia deixa cair perdão de dívida e pede reembolsos ligados ao crescimento» e a realização de reuniões com vários dirigentes europeus confirmam a mudança de estratégia onde a «Grécia vai trabalhar com as instituições europeias e não com a troika», o que representa uma clara inversão do modelo em uso  que a própria UE já reconhecera quando surgiu o anúncio de que «Bruxelas admite desmantelar troika como concessão à Grécia».


Os resultados das passagens por Roma e Paris, onde «Grécia e Itália alinham discurso por uma "Europa de crescimento"» enquanto de Paris se fala em «Aliviar dívida grega sim, perdoar não», são de algum modo exemplo das diferentes sensibilidades na abordagem do problema. Quando a «Alemanha quer que Grécia coloque promessas de lado e mantenha compromissos» não se estranha que os servilíssimos Rajoy ou Passos Coelho disso se façam eco, nem o anúncio que o «BCE deixa de aceitar dívida grega como garantia para financiar a banca do país», numa estratégia que, fomentando o risco da moeda única, poderá revelar-se calamitosa para o conjunto da Zona Euro.

Esta óbvia forma de pressão sobre os gregos foi respondida de imediato nas ruas de Atenas e pela voz do próprio primeiro-ministro quando este afirmou que a «"A Grécia não aceitará mais ordens, sobretudo ordens recebidas por email"», cimentando a ideia que os eleitores poderão ter escolhido quem efectivamente defenda o interesse nacional e esvaziando parcialmente o conteúdo da medida e de declarações como aquela onde Jean-Claude «Juncker diz que UE não vai mudar tudo devido a resultados eleitorais na Grécia».

Enquanto isto, no rescaldo duma reunião onde «Schäuble e Varoufakis assumem discordar sobre quase tudo», ficámos também a saber que para o ministro alemão as «“Promessas às custas dos outros não são realistas”», argumento aplicado às intenções do governo grego de ver alterados os termos da sua dívida mas que não terá sido das ideias mais brilhantes de Schäuble, pois, na essência, igualmente irrealista será esperar que as economias reduzidas ao estado de indigência alguma vez lograrão pagar as suas dívidas. Esta velha sanha contra os países periféricos da Europa, que tem sido alimentada nos países do Norte europeu sob a capa duma moralidade controversa, parece cada vez mais alimentada pelas fragilidades internas duma Alemanha que continua a escamotear os elevados riscos associados ao seu sistema de segurança social e de fundos de pensões (já em 2011 havia quem apontasse uma dívida escondida de cinco biliões de euros) e a fragilidade do seu sistema financeiro regional.

Ainda que o anúncio de que o «Eurogrupo convoca reunião extraordinária para debater a Grécia» represente mais uma manobra no sentido de isolar a Grécia – fazer uma reunião do Eurogrupo, órgão claramente dominado pela ortodoxia austeritária, nas vésperas duma cimeira europeia onde as hipóteses de crítica àquela prática serão maiores – seria mais realista que políticos e comentaristas esperassem pelo seu desfecho antes de persistir numa bacoca condenação generalizada dum esforço legítimo e que, contrariamente ao que se pretende fazer crer, não tem forçosamente que estar condenado ao insucesso.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

POBREZA

Embora já tenha decorrido mais dum lustro desde o despoletar crise do “subprime” os seus efeitos sobre as populações teimam em perdurar; seja por inépcia ou porque essa é a estratégia que pretendem seguir, os vários governos das diferentes grandes economias pouco ou nada fizeram no sentido de corrigir os gritantes desmandos que conduziram a generalidade daquelas economias ao estado em que se encontram.

Seja nos EUA, no Japão ou nos principais países da UE continua por realizar um esforço sério para a implementação duma regulamentação eficaz do sector financeiro – seja na indispensável separação entre as actividades comercial e de investimento seja na revisão das regras de funcionamento dos “offshores” – enquanto se assiste ao fracasso de quase todas as tentativas de revitalização das economias por via das políticas de injecção de liquidez que inevitavelmente se esboroam nas insaciáveis necessidades dos bancos.

Enquanto isto, seja por opção seja por real escassez de financiamentos os sectores produtores de bens transaccionáveis definham agravando o problema do desemprego. Desde que há algumas décadas, fruto da generalização das teorias monetaristas que defendem o principio do “trickle down economics”, se deu início ao processo de concentração de riqueza por via da redução dos rendimentos das famílias em benefício dos rendimentos do capital, no pressuposto que aquela concentração geraria mais investimento e mais empregos, que a situação das populações se tem agravado, a ponto de se afirmar já que estará «Metade da riqueza mundial nas mãos de 1 por cento da população».


Além da constatação prática do fracasso da teoria do “trickle down economics”, verifica-se ainda que crise iniciada em 2008 nos EUA e o seu prolongamento na Zona Euro através do empolamento que as dívidas públicas sofreram para resgatar o sistema financeiro foi usado para justificar a aplicação de políticas de austeridade através das quais «“Está a criar-se uma nova geração de pobres”», sem que se reduza o endividamento ou se estimule a economia.

No caso específico de Portugal e quando em Maio próximo se cumprirem 4 anos desde a assinatura do PAEF (Programa de Assistência Económica e Financeira) teremos passado dum volume de dívida da ordem dos 94% do PIB para um nível onde a «Dívida pública representava 129,4% no PIB no 2.º trimestre» de 2014, pelo que dificilmente se poderá afirmar que a finalidade do resgate era a redução da dívida…


mas em contrapartida já é garantida a situação que colocou «Um em cada cinco portugueses em risco de pobreza» e pior ainda quando o EUROSTAT divulgou que o número de agregados familiares com pessoas desempregadas «Um indicador de pobreza duplicou em 2013 em Portugal».

Assim, a afirmação de que «"Ter emprego não é uma vacina contra a pobreza"» traduz afinal o facto das políticas implementadas estarem a contribuir para um processo de empobrecimento generalizado, mesmo que Passos Coelho afirme que «Dados do INE sobre risco de pobreza "não reflectem situação actual"». Se isto não for julgado suficiente para justificar a necessidade de mudança nas políticas junte-se o facto, cada vez mais reconhecido, do desenvolvimento tecnológico estar a reduzir a quantidade de mão-de-obra necessária. Numa época em que a par com a sobrevalorização da produtividade (indicador que conjuga os factores capital e trabalho) se assiste a uma constante redução de postos de trabalho, fácil se torna antever que de futuro não existirá procura suficiente para a oferta natural de mão-de-obra, o que reforça a conclusão da indispensabilidade de um novo paradigma laboral, que se não for entendido pelos poderes estabelecidos acabará, inevitavelmente, por ser imposto pelos milhões de excluídos.