terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O QUE FICOU DE 2015

Por imposição do calendário estamos em vias de encerrar mais um ano; o 2015º da era cristã não trouxe, como era muito fácil ter antecipado, profundas melhorias aos muitos e graves problemas que a todos afectam. Os conflitos armados, com o rasto de sofrimentos e miséria humana que acarretam, eternizam-se, os problemas ambientais tardam em ser abordados de forma construtiva e até a crise sistémica global continua sem evidentes sinais de resolução.

É verdade, no ano 1436 do calendário muçulmano agudizaram-se os conflitos num Médio Oriente que continua dividido ente árabes e judeus (que vivem o ano 5776), mas também entre sunitas e xiitas num crescendo de radicalização (ditada por uma luta hegemónica entre «Sunismo saudita e xiismo iraniano em confronto aberto no Oriente Médio», a que acresce um ancestral cisma religioso) que já ultrapassou as próprias fronteiras da região e do cisma; enquanto o ano 4713 do calendário chinês ficará registado como o do reconhecimento oficial dos gravíssimos problemas ambientais que atravessa o Império do Meio e que culminou com a recente decisão de colocar «Pequim em alerta vermelho por causa da poluição».

Ainda assim, nem tudo foi negro no ano que termina e numa Europa que continua a braços com uma crise económica e política que parece não querer solucionar, depois da agudização das relações com uma Rússia que recusa ver minorado o seu papel de potência regional eis que surgiu um pequeno sinal de mudança quando os eleitores de parte da Europa do Sul manifestaram de forma clara a sua recusa na continuação das políticas que conduziram a UE ao seu ponto mais baixo. Refiro-me, claro, ao resultado das eleições gregas e portuguesas (e numa certa medida às mais recentes em Espanha) onde os eleitores fizeram sentir uma clara vontade de mudança de política à qual uma UE enfeudada aos interesses neoliberais tem respondido de forma antidemocrática.


Veremos o que reserva à Europa um 2016 que para já ameaça o aprofundamento de divisões e o aumento dum isolacionismo xenófobo que não augura nada de bom, precisamente quando nas suas fronteiras se desenrolam conflitos abertos a que urge responder de forma adequada e concertada, como sugeriu recentemente Gordon Brown, o ex-primeiro-ministro inglês, ao defender que «A educação é o antídoto para a radicalização».

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O PRESENTE DE NATAL

Pese embora o adiantado da hora, foi sem surpresa que no passado Domingo ficámos a saber que fora o «Banif vendido ao Santander com perdas "elevadíssimas" para os contribuintes», havendo logo quem assegurasse que a «Factura do Banif para os contribuintes pode chegar a 3825 milhões».

Nada de novo depois dos casos BPN, BPP e BES, que segundo algumas contas asseguram que «Portugueses já deram 13 mil milhões para salvar bancos», enquanto outros mais prudentes preferem salientar que o «Estado já gastou perto de 12 mil milhões com bancos resgatados».
Certo é que o sistema financeiro continua a oferecer-nos regularmente os seus presentes envenenados...


e que ninguém – em especial o Banco de Portugal, a entidade reguladora do sistema financeiro português – pode assegurar que não se repita.

Sabido já que os «Partidos avançam com inquérito parlamentar sobre Banif» deixemos para mais tarde as questões (e serão seguramente muitas) de natureza política., para nos concentrarmos no que de imediato ressalta desta decisão: é que além das mais que óbvias dúvidas em torno dos contornos do “negócio”, como sejam a famigerada separação entre activos “bons” e “maus” e o preço de saldo, parece igualmente merecedora das maiores reticências e até agora falho do mais elementar esclarecimento o facto da escolha ter recaído sobre um banco que mantém um litígio com o Estado português sobre swaps ruinosos que envolvem um conjunto de empresas públicas.

Bem pode o governo de António Costa garantir que fez em três semanas o que não foi feito em três anos, ou dizer que queria integrar Banif na CGD mas não foi possível devido às regras da Comissão Europeia e que o «Santander foi escolhido para ficar com Banif porque tinha a "melhor" proposta», que nada disfarça o que aparenta ser mais um “negócio” com contornos éticamente muito duvidosos, que se estendem à actuação duma cadeia nacional de televisão – a TVI – que é propriedade duma empresa espanhola – a PRISA – que é um dos accionista de referência do Santander...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

É PRECISO MEDIR BEM...

Embora quase a encerrar o triste capítulo da sua passagem por Belém, Cavaco Silva teve ainda tempo para comentar, a propósito das notícias sobre o BANIF, a situação do sistema financeiro nacional afirmando que «"É preciso medir bem as palavras quando se fala do sistema bancário"», e eu tendo a concordar com ele.

Não pelas mesmas razões – para o insigne professor de economia a ponderação deriva do facto daquele sistema ser decisivo para o funcionamento da economia – mas porque o cerne dos problemas actuais de qualquer sistema financeiro (nacional, europeu ou mundial) se situa na necessidade de “medir” a sua real importância e a sua real exposição aos produtos estruturados complexos. Recordam-se da falência do Lehman Brothers no Verão de 2008 e do que estão se escreveu sobre a excessiva exposição daquele banco de investimento a produtos estruturados?


Logo no dia 20 de Setembro de 2008 escrevia no «post» «BURACO NEGRO» que «A grande sofisticação deste tipo de produtos financeiros e a sua difusão como se de um produto de cobertura de risco se tratasse, originou uma rápida e vasta dispersão pelas contas de quase todos os bancos por esse mundo fora. Ainda hoje quando se ouvem ou lêem declarações de políticos e de administradores de bancos que asseguram a reduzida exposição das suas economias (e das entidades financeiras que nelas operam) àquele tipo de produtos deverá continuar a ser encarada com as devidas reservas, na medida em que continuam por apurar os montantes envolvidos naquelas transacções e, inclusive, quais os instrumentos financeiros que integram ou não activos daquele tipo», numa alusão à necessidade de apurar a dimensão do jogo especulativo em torno dos produtos estruturados disseminados por todo o sistema financeiro mundial.

Sete anos volvidos, a palavra chave continua a ser “medir”; não no sentido limitativo e castrador proposto por Cavaco Silva, mas sim no sentido de exigirmos a avaliação do buraco financeiro que se mantém dissimulado nos balanços dos bancos.

Desde a falência do Lehman Brothers não têm parado de se repetir casos análogos noutros bancos, sempre acompanhados da beatífica recomendação de “não se falar demasiado” para não “assustar os mercados”. A assim continuarmos sem escalpelizar até às últimas consequências casos como o do BPN, do BPP e do BES, estaremos a facilitar o próximo evento (BANIF ou outro) e a aceitar silenciosamente que o custo final desta economia de casino criada por “banksters” (designação que remonta aos anos da Grande Depressão e que resulta da aglutinação dos termos banqueiro e gangster) sem escrúpulos acabe sempre saldada a expensas dos contribuintes.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

OUTONO TARDIO

Climatologicamente falando e um pouco em analogia com o nosso Verão de S. Martinho (que os americanos apelidam de “Été Indien”), o resultado da segunda volta das eleições regionais francesas bem poderia ser visto como um outono tardio...


...mas atenção que muitas vezes as aparências iludem!

É certo que a barreira da segunda volta impediu a vitória da FN (Front National), de extrema-direita, em qualquer região, mas ainda assim o partido obteve um número nunca alcançado de 6,5 milhões de votos.

Mas esta derrota pode, se os republicanos de Nicolas Sarkozy – apresentado como o grande vencedor de Domingo com a conquista de 7 regiões – não conseguirem ultrapassar as suas próprias divisões, nem os socialistas de François Hollande e Manuel Valls – que minimizaram a derrota com a vitória em 5 regiões – conseguirem atrair o resto da esquerda, constituir um primeiro importante passo para as eleições presidenciais de 2017.

O grande problema que enfrentam os socialistas e os republicanos franceses é a proverbial incapacidade dos partidos do poder se relacionarem com aqueles que têm mantido afastados à sua direita ou à sua esquerda. Não será inocente o recente fenómeno dos “partidos radicais” nem fruto do acaso o crescente interesse que comentadores e analistas lhes têm dedicado, mas é seguramente elucidativo que a principal preocupação e crítica seja focada nos “radicais de esquerda”, enquanto os seus “congéneres” de direita vão prosperando, ou não contassem os primeiros com a frontal oposição do sistema financeiro e os segundos, se não com o seu apoio, pelo menos com a sua neutralidade.

Veja-se o que está a acontecer na Grécia e na Espanha, onde a crescente contestação aos partidos do sistema já levou a mudanças no poder (eleição na Grécia dum movimento de esquerda, o Syriza, com fortes raízes trotskistas que soube construir pontes de diálogo com outros agrupamentos da mesma área e que levou uma UE completamente enfeudada aos interesses do sistema financeiro e politicamente inepta a apressadamente reduzir a nada as poucas iniciativas divergentes ensaiadas pelo novo governo helénico) ou ameaça fazê-lo no próximo fim-de-semana em Espanha (onde é expectável um cenário idêntico ao ocorrido em Portugal, no qual o partido mais votado não conseguirá construir as indispensáveis alianças para formar governo), ou um pouco por toda a Europa com a crescente popularidade de partidos nacionalistas e xenófobos.

O anquilosamento dos partidos tradicionais poderá determinar a ascensão de partidos mais à esquerda, com o resultado que vimos na Grécia, ou mais à direita, com o resultado que não quero ver.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

OUSAR PENSAR DIFERENTE

Os tempos que temos vivido e que conheceram o seu apogeu com o governo Passos Coelho/Paulo Portas estão ainda longe de se verem varridos para os confins das más memórias.
Não enfileirando nos rol dos que alimentam grandes esperanças no futuro próximo, tão profunda e marcante tem sido a acção destruidora daqueles que outra coisa não têm feito salvo propalar a inexistência de alternativa às suas ideias, sempre vou assinalando aqui ou ali os sinais de diferença que apesar dos poderes instalados lá vão surgindo.

Exemplo disso é uma recente notícia do EXPRESSO segundo a qual a «Finlândia estuda atribuição de salário mínimo garantido a todos os cidadãos», no que aparenta constituir uma completa inversão do tão aplaudido discurso populista do “vai trabalhar, malandro” e que se aproxima duma ideia antiga que abordei no “post” «A CRISE, O EMPREGO E O RENDIMENTO» onde a advoguei em alternativa a um aumento generalizado dos salários e enquanto medida de justiça social.


A medida em estudo pelo governo finlandês é apresentada como de combate ao desemprego e uma forma de simplificar o sistema de segurança social e, claro, criticada por quem acredita que terá o efeito exactamente oposto.

Como escrevi em 2009, no “post” referido, a ideia não é nova nem inédita pois encontra-se em aplicação (nem mais, nem menos...) na própria pátria do capitalismo moderno: os EUA. Num dos seus estados (o Alasca) existe um fundo alimentado pelas receitas das concessões petrolíferas, o Alaska Permanent Fund, que distribui anualmente o seu rendimentos pelos habitantes daquele o estado. Criado com o objectivo de ajudar a fixar muita da mão-de-obra deslocada para o Alaska durante o período de instalação das infraestruturas destinadas à exploração petrolífera, funcionará hoje como importante agente redistribuidor da riqueza local.

Ainda decorrerá muito tempo até que algo resulte deste debate, mas como escrevi a propósito da questão dum novo «PARADIGMA DO EMPREGO» e da necessidade de equacionarmos novas abordagens para o problema da redistribuição da riqueza, comprovado que está o fracasso da famigerado política da “austeridade expansionista”, o tempo urge e os erros cometidos acumulam-se sem que se perfile de forma clara uma a indispensabilidade dum nova forma de pensar os problemas antigos.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

PONTAPÉ LÓGICO

Por incrível que possa parecer, até nestes tempos destrambelhados, ainda surgem ocasionalmente notícias com capacidade para nos espantarem.

Não me estou a referir à “modernidade” das “novidades” difundidas via Facebook, antes a afirmações veiculadas na imprensa, como seja aquela onde «Rui Moreira diz que TAP tenciona abandonar longo curso no aeroporto do Porto».

Embora outros jornais tenham prontamente desmentido as preocupações do edil portuense, dizendo que a «TAP ainda não tomou decisão sobre suspensão de voos de longo curso no Porto», haverá quem ingenuamente tenha acreditado que a alienação a interesses privados constituía a melhor via para assegurar o interesse colectivo?

Este sinal de “fechar de portas” será apenas o primeiro de outros “ponTAPés” que a magnânima gestão privada da empresa não deixará de desferir no interesse geral! Ou alguém de bom senso tinha expectativas diferentes?


Melhor, é que além de parecer confirmada aquela ideia, veio alimentar anteriores preocupações e reforçar a afirmação onde a «Estrutura sindical da TAP alerta para «esvaziamento da operação» da empresa no país», e nem sequer foi o primeiro sinal da mudança, pois poucos dias tinham decorrido desde a controversa assinatura do contrato de venda por parte dum governo limitado às funções de gestão corrente e logo começaram a surgir notícias sobre a intenção dos novos donos procederem à venda de terrenos junto ao aeroporto, onde se encontram instaladas a sede, os escritórios e oficinas, no valor de 146 milhões de euros que, pura coincidência. é quase igual aos 150 milhões injectados pelos compradores.

Pior que o lirismo evidenciado pelos ansiosos “vendedores” é assistirmos agora à hipocrisia de ouvirmos que o «PSD/Porto quer esclarecimento da tutela sobre fim do longo curso da TAP», enquanto silenciou o reconhecido facto de ter pactuado com uma venda onde o «Risco da dívida da TAP fica no Estado», ou seja: a empresa foi vendida a desconto (baratinha) sob o pretexto do seu elevado passivo (maioritariamente constituído por dívidas financeiras) lhe reduzir o valor, mas os esforçados compradores ficaram desde logo dispensados de pagar esse mesmo passivo, pois o magnânimo Estado assegurará esse pagamento, sem o risco de perderem todo o pouco que investiram!

Este processo de transferência de rendimentos do sector público para o privado é que é o verdadeiro empreendedorismo tão amiudamente louvado como o salvador das economias… e ao qual continuam a ser sacrificados os cidadãos contribuintes deste País, porque não duvidem seremos todos nós a pagar o passivo da TAP, depois de termos entregue os lucros que não pararão de crescer graças à superior capacidade da gestão privada, e depois de perder o poder de decisão sobre a orientação estratégica – o verdadeiro interesse geral – duma transportadora aérea, que poderá mudar a sua base de operações para onde quiser e for mais barato.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

LEMBRANÇAS DUMA FUTUROLOGIA FÁCIL

A lembrança da efeméride que hoje devíamos estar a comemorar em Portugal – a Restauração da Independência – e a leitura dum artigo de José Vítor Malheiros, onde lembra (e bem) que o actual é «Um Governo sem tempo para errar» ao qual devemos «…garantir (…) toda a lealdade e toda a cooperação mas nenhuma condescendência, nenhuma complacência», levam-me a deixar nota de duas questões que não auguram nada de bom.

A primeira (e a menos importante) tem a ver com o incumprimento do compromisso de reposição dos feriados demagogicamente abolidos pela coligação PSD/CDS. É certo que o António Costa ainda mal tomou posse e que esta ocorreu muito em cima do 1º de Dezembro, mas ainda assim fica a nota do esquecimento e do sinal negativo que comporta.


A reposição dos feriados do 5 de Outubro – Implantação da República – e do 1º de Dezembro – Restauração da Independência – significa muito mais que a recuperação de dois feriados, pois trata-se afinal de manter tão viva quanto possível a memória colectiva dum povo, e podia muito bem ter sido a segunda medida tomada pelo novo governo; tomá-la logo após a aprovação do respectivo programa representaria a reafirmação do cumprimento de compromissos e um claro sinal da vontade de mudança.

Mudança foi, precisamente, o que representou a votação onde o «Parlamento acaba com exames do 4.º ano»; duvido é que esta represente uma mudança para melhor. Mesmo compreendendo algum fundamento na argumentação de que os exames podem agravar a diferença de classes sociais e que pouco peso representam na avaliação final, nem por isso deixo de partilhar a ideia que constituem um importante factor de treino e de responsabilização de alunos, professores e encarregados de educação.

Mais do que alinhar no discurso fácil (e falso) de que a abolição dos exames representa um sinal de facilitismo no percurso de formação dos jovens, creio que se está é a eliminar um factor de credibilização que os jovens pagarão numa futura admissão no mercado de trabalho (ou pelo menos a facilitar esse argumento) e a desperdiçar esforços que deveriam ser concentrados na abordagem e discussão das grandes questões que Governo e Parlamento terão de enfrentar de pronto: a fragilidade das finanças nacionais e do sistema financeiro; as verdadeiras reformas estruturais que, apesar de tudo o que se disse, continuam por fazer; o fraco crescimento económico e a ausência de investimento e de perspectivas de trabalho para os mais jovens.