quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

DESIGUALDADES

Em mais um início de ano regista-se em Davos nova reunião do World Economic Forum (também conhecido como o fórum dos ricos) e a apresentação de mais um relatório anual da OXFAM, revelando visões distintas sobre a realidade que vivemos.

Para os dignitários que anualmente desfilam por Davos vale sobretudo a ideia onde o «FMI revê em alta crescimento mundial para 2018 e 2019. Mas duvida que a aceleração seja durável», pois nas palavras da própria Christine Lagarde, a directora-geral do FMI, «“Esta retoma económica é cíclica. Não se sintam satisfeitos”». Em resumo e em linguagem comum é quase como um “aproveitem que isto não vai durar muito!”


Sinal disso mesmo pode ser lido no último relatório da OXFAM ao revelar que está a «Riqueza guardada nas mãos de "meia dúzia"» quando anuncia que mais de 80% da riqueza criada no mundo em 2017 pertence a 1% da população mundial enquanto 50% desta recebeu práticamente nada. Os números da desigualdade ganham ainda outra expressão quando ficamos a saber que nos últimos doze meses a riqueza dos mais ricos aumentou 762 mil milhões de dólares (quase quatro vezes o PIB nacional e, segundo a mesma OXFAM, o suficiente para eliminar sete vezes a pobreza extrema) e que na última década os trabalhadores por conta doutrém viram o seu rendimento aumentar a uma média de 2% ao ano enquanto os multimilionários viram a sua riqueza aumentar a uma taxa média anual de 13%.

Claro que de pronto surgiram vozes acusando o relatório de desonestidade intelectual, defendendo os benefícios da globalização económica e lembrando os milhões de pessoas que esta já retirou da pobreza extrema; o que não negaram foi os níveis crescentes de desigualdade e a conjunção de cenários cada vez menos optimistas sobre a evolução do emprego, face aos quais não será de estranhar que, na ausência de respostas, surja uma crescente contestação e que esta adquira contornos cada vez mais violentos.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

METADE DA VERDADE

Na sua mais recente crónica semanal no DN, o Prof. César das Neves deixa-nos o seu ponto de vista sobre aquilo que apelida de «Metade da verdade» a respeito dos resultados do actual governo.

Claro que a maior parte das afirmações são correctas e verdadeiras, correpondem à realidade a que assistimos diariamente e até alguns dos avisos deixados não são para serem encarados de forma leviana. O problema é que a sua visão dos equilíbrios macro-económicos dos apoiantes das políticas neoliberais (como as dos apoiantes da actual política) apresenta evidentes contornos de puro artificialismo, ou não fossem eles produto de mera manipulação contabilística.


O que o Prof César das Neves esconde é que se os actuais responsáveis políticos se limitam a revelar meias verdades, os seus antecessores sustentaram as suas práticas em duvidosos estudos – recorde-se o famigerado ensaio (a «Growth in a Time of Debt», publicado peloNational Bureau of Economic Research) dos celebrados Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart que, afirmando a existência duma forte correlação entre elevadas dívidas públicas e reduzido crescimento económico, serviu para sustentar as austeritárias teses neoliberais mas se veio a revelar objecto duma manipulação primária (ver o post «ACONTECE...») pelos seus autores – e na comprovadamente abjecta mentira de pretenderem atingir o saneamento e o equilíbrio financeiro, quando o que na realidade sempre pretenderam foi o agravamento do processo de desequilíbrio na distribuição da riqueza, iniciado há várias décadas.

Talvez por isso, os cidadãos hoje apoiem as meias verdades em detrimento das claras mentiras!

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

AINDA A RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA

As notícias esta semana vindas a lume dando conta que António «Costa anuncia que défice de 2017 deverá ser de 1,2%», oportunidade em que o mesmo assegurou que a dívida pública deverá situar-se pelos 126,2% do PIB, não deveriam servir apenas para confirmar a boa saúde da economia nacional ou para criticar as correspondentes opções governativas, do mesmo modo que a notícia de meados de Dezembro onde a «Fitch tira rating do lixo e põe Portugal no grupo da Itália» pouco alterou o quadro geral da difícil situação do país.


Claro que a decisão da Fitch confirmar idêntica posição da Standard & Poor’s terá impacto em alguns investidores, mas isso não significa que tenham terminado os problemas ou que uma apreciação positiva dos mesmíssimos organismos que tantas responsabilidades evidenciaram no eclodir da crise em 2008 deva ter um valor de especial relevância.

A realidade é que quase sete anos volvidos sobre a intervenção da troika (FMI, BCE, UE) o endividamento continua a apresentar valores elevados e o sistema financeiro nacional a revelar as debilidades que só os poderes estabelecidos não querem ver. Bem podem o Governador do Banco de Portugal ou o Primeiro-Ministro afirmar a solidez do sistema financeiro nacional que a realidade diária desmente-os rapidamente; o país continua descapitalizado enquanto assistimos à continuação da sangria da pouca riqueza nele criada, confirmada com o anúncio, no final de 2017, que «Portugal devolve mais 1.000 milhões ao FMI ainda este ano».

O que continua por anunciar é o início de uma verdadeira solução para um endividamento com aquela expressão que, por mais que custe aos sectores mais tradicionalistas e conservadores, não poderá deixar de contemplar uma profunda renegociação da dívida, cenário que a UE procura controlar com a escolha de Mário Centeno para novo presidente do Eurogrupo (aquela estrutura sem qualquer enquadramento legal que reúne os ministros das finanças da Zona Euro) onde terá como missão «Domar os poderosos do euro com dívida de 126% às costas» e sem qualquer vislumbre de solução para o seu problema.

domingo, 7 de janeiro de 2018

CORREIOS PARA QUEM?

Por por estes dias voltaram às notícias os protestos populares depois de conhecido que os «CTT confirmam fecho de 22 lojas no âmbito do plano de reestruturação», plano este que fora anunciado em meados de Dezembro e que quase de imediato originou que «CTT sobem na bolsa à boleia do novo plano de reestruturação».

Sabendo por demais o real significado da apresentação dum “plano de reestruturação”, não espantaram as notícias da pronta subida da sua cotação em bolsa nem as de que o «Maior accionista investe 2 milhões nos CTT após plano de corte de custos», que os «Donos da Mayoral reforçam nos CTT» ou que a «Global Portfolio Investments reforça no capital dos CTT para 5,66%», logicamente acompanhadas das que chamaram a atenção para o singelo facto daquele plano implicar que os «CTT fecham o dobro das lojas que encerraram desde a privatização».


E o busilis centra-se precisamente na privatização. À memória voltam os comentários tecidos em 2013 – ver os posts «MATAR O CARTEIRO» e «AFUNDADAS ESPERANÇAS» – e a certeira previsão do encerramento de agências feita quase um ano depois no post «CTT TESOURO» que se centrava na questão dos negócios que desde sempre rodearam a venda dum serviço da importância da distribuição postal. Certo é que neste momento quem assume a posição de principal accionista é a GESTMIN, sociedade de gestão de participações financeiras onde pontifica Manuel de Mello Champalimaud, que é quem vai controlar plano de reestruturação dos CTT.

A tudo isto somam-se mais algumas incongruências; é que se os «CTT em crise “distribuiu sempre mais de 90% dos seus lucros a acionistas”», as «Agências que os CTT querem fechar lucraram 2,4 milhões de euros em 2017» e já se diz que a «Reestruturação dos CTT poderá não ficar pelas 300 rescisões» de trabalhadores quando é sobejamente conhecido (e reconhcido) que os «CTT lideram queixas dirigidas a empresa de correios. Reclamações aumentam 212%» facto simplesmente ignorado por quem nunca se preocupou com o serviço público.

E no caso dos CTT é precisamente de serviço público que se trata, um serviço que além de indispensável é igualmente garante do que cada vez mais parecem ser os últimos resquícios de coesão social. Claro que aos seus “donos” apenas interessam os lucros, os quais sempre distribuíram magnanimamente, e de uma forma tão ávida que até já entre os políticos se refere que «Deputado socialista defende que “os CTT têm de ser obrigados a cumprir o serviço público”» ou que «Jerónimo de Sousa defende que CTT devem ser alvo de "intervenção pública"» e até o «CDS exige cumprimento da obrigação de proximidade dos CTT», enquanto nos corredores do poder «Costa e Marcelo deixam CTT nas mãos da Anacom», como se de algum regulador nacional pudesse advir mais que pífias recomendações.